João
conduzia possuído, rua abaixo, rua acima, tentando perceber onde é
que ela estava. Mantinha a chamada em alta-voz desde que Isabel
ligara sem querer, e quando ouviu a voz dela não conseguiu desligar
o telemóvel. Sabia que não era correto, mas pediu licença ao
paciente e saiu até a um local sossegado na clínica, ficando
paralisado ao ouvir a descrição que ela dava a Elisabete. Sabia que
ela estava a chorar, precisava de a ir ver, de a abraçar, ela tinha
estado grávida e o ex-marido provocara-lhe um aborto com porrada…
Sentia-se a explodir de raiva, capaz de o matar com as próprias
mãos, se o visse à frente. Secretamente desejava encontrá-lo, mas
sabia que isso seria improvável, portanto apenas lhe restava
consolá-la. Viu-a dentro do café, sentada com Elisabete e parou o
carro abruptamente, cruzando o olhar com ela. Isabel percebeu que ele
vinha perturbado, olhou instintivamente o telemóvel e pegou-lhe.
-
João? – disse com a voz trémula.
-
Vamos embora, dá um beijinho à Lisa e vamos dar uma volta. –
pediu-lhe.
Isabel
obedeceu, e João saiu do carro, ajudando-a a entrar. Acenou adeus à
amiga perplexa no café e dirigiu para longe dali, levando-os sem
rumo definido. Assim que as ruas se tornaram menos povoadas, encostou
o carro, tirou os cintos dos dois e puxou-a levemente para o seu
colo.
-
Desculpa, ouvi tudo… telefonaste-me sem querer… não consegui
resistir quando me apercebi de que ias contar alguma coisa sobre ti…
- confessou, olhando-a nos olhos.
-
Não faz mal, iria contar-te tudo mesmo… assim já está. Não
tenho de o repetir. – deveria sentir-se zangada com aquela invasão
de privacidade, mas o facto é que estava aliviada. Aquele gesto de a
ir procurar preocupado deixou-a de tal forma emocionada que não
conseguiu culpá-lo. – Eu amo-te muito. Obrigada por me teres ido
buscar. – beijou-o e deixou-se ficar enroscada nele, em silêncio.
-
Se não fizeres queixa dele eu vou matá-lo. – avisou-a depois de
uns minutos de silêncio.
-
Quê?! – sobressaltou-se.
-
É isso mesmo. E depois vais ter de esperar por mim 25 anos e ir à
cadeia todas as semanas levar-me os comprimidos. – acrescentou,
desanuviando um pouco a conversa.
-
Ah, pensei que estivesses a falar a sério… Por favor, não quero
mortes nenhumas…
-
Eu estou a falar a sério. Ou vais agora comigo à polícia ou assim
que eu o encontrar, mato-o. E isso vai-me dar a pena máxima. –
olhou-a sério, beijando-lhe a boca seca.
-
Está bem… Mas prometes-me que não fazes nada que te possa
prejudicar? – perguntou receosa.
-
Ele está-me a prejudicar neste preciso momento, e eu ficarei para
sempre prejudicado enquanto ele andar solto, ou vivo. Entende uma
coisa Isabel, eu amo-te. Esse homem fez-te muito mal, não pagou por
isso, e ainda voltou a ameaçar-te depois de tudo o que se passou. O
que queres que eu faça? Que finja que ele não te entrou pela casa a
dentro e rabiscou as paredes? Que fique à espera que ele te mate?
Porque acredita que se ele for esperto, primeiro vai tentar fazer-me
mal a mim, porque sabe que agora não estás sozinha. Se ele tentar
aproximar-se de ti terás alguém ao teu lado. Agora eu sei que ele
vai atacar quem te está próximo, e espero que o faça cara a cara.
Por isso, ou vamos agora à polícia e tentamos resolver isto através
da legalidade, ou ficamos calados à espera do próximo passo dele, e
aí, eu mato-o.
Isabel
mergulhou a cara molhada no pescoço de João, chorando tudo o que
reprimira no café, embalada pelos braços dele.
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(imagem, internet)
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