terça-feira, 25 de setembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 15 (2ª parte)





Sentaram-se à mesa e Rosário parecia incomodada sem saber como se comportar, com aquela presença estranha ao pequeno-almoço.
- Já tomou café? – perguntou Isabel, decidida a acabar com o ambiente esquisito.
- Não, quer dizer, sim. – corrigiu embaraçada, procurando um pano para esfregar alguma superfície e se distrair enquanto eles não saíssem de casa.
- Rosário, sente-se por favor. Faça-nos companhia. – pediu João, relembrando-se de que Isabel não era snob nem conseguiria ignorar a presença de outra pessoa enquanto comiam.
- Então, com licença. – sentou-se aliviada com o facto de que a namorada do patrão não ser nenhuma dondoca arrogante, o que lhe dificultaria muito a vida e o trabalho.
- Dás-me boleia para Celas? – perguntou Isabel, que se lembrou naquele momento de que não tinha o jipe com ela e dava aulas de manhã.
- Achas que não há problema ires trabalhar? – uma leve azia subiu-lhe à garganta com a ideia de a deixar durante o dia.
- Tenho de ir, - começou a explicar, ligeiramente envergonhada com a atenção que Rosário dava à conversa – mas podemos almoçar, se quiseres… - sugeriu, corando com um apalpão debaixo da mesa.
- Combinado. – descontraiu ligeiramente e continuaram a refeição, incluindo a empregada na conversa, que se prontificou a fazer lanches para os dois, se precisassem, e adiantar o jantar, se fosse caso disso. Isabel e Rosário gostaram imediatamente uma da outra, e a primeira não confessou que era vegetariana ao vê-la tão entusiasmada com a receita de jardineira que “era a preferida do patrão”.
Despediram-se os três e o casal saiu, com Filipe amuado na varanda, por não ter ainda liberdade de movimentos. Isabel compadecia-se do cão, que não estava habituado a espaços fechados, mas João prometeu-lhes que iriam espairecer de tarde, deixando-a mais descansada. Queria que eles se sentissem bem consigo, que Isabel ponderasse nunca mais voltar sozinha para a casa na quinta. Amava-a e nunca se sentira tão bem a viver com uma mulher. Não tomava o rol de comprimidos desde que tinham saído para o Gerês, simplesmente não se lembrava da necessidade de os tomar, e ela era a responsável por isso. Puxou-a para um beijo apaixonado enquanto o elevador descia até ao rés-do-chão, e só se soltaram quando uns vizinhos reformados que entravam na cabine os alertaram de que já tinham chegado ao destino.
- Peço imensa desculpa… - disse Isabel corada até às orelhas, puxando João de dentro do elevador.
- Estão aqui, estão a proibir que andemos juntos no elevador na próxima reunião de condomínio! – brincou, divertido com o ar escandalizado da vizinha.
- Que vergonha…
- Vergonha é roubar e ser apanhado. – concluiu, puxando-a novamente para outro beijo, enquanto passavam mais vizinhos idosos.
- Ainda vamos presos por atentado ao pudor, ou expulsam-te do prédio. – disse, encaminhando-o para o carro.
- Mudo-me para tua casa e tens de me aturar, afinal, tu é que és a culpada do meu comportamento irracional. – explicou com naturalidade, entrando no carro e sendo imitado por Isabel.
- És muito arrogante. – provocou-o, adorando aqueles modos pomposos com que ele falava, tão cheio de si. Era enternecedor, não sabia explicar bem porque aquilo lhe dava tanto prazer. Talvez fosse o facto de ela saber que ele era o homem mais doce e romântico que conhecera, mas que só o revelava a ela, em momentos privados, e que toda sua superioridade exterior escondia intenções dissimuladas de alguém que na realidade pensava primeiro nos outros. Leonino como ele só.
- Arrogante não, prático! Não me vais deixar na rua da amargura, ou vais? – perguntou, fazendo ar de escandalizado.
- Claro que não. – a imagem da sua sala de prática vandalizada perturbou a sua boa disposição, trazendo-a de volta à realidade. Se quisesse regressar a casa teria de enfrentar o seu fantasma e tomar decisões.
- Ei!, não fiques assim. Nós vamos resolver isto. – prometeu-lhe, beijando-lhe a mão ao vê-la subitamente abatida – E já que falamos nisso, Isabel…, não achas que seria prudente registar na polícia o incidente da sala de yoga? Se ele não pode chegar perto de ti e te entrou pela casa a dentro, para escrever ameaças, é bom que isso se saiba, para que eles iniciem um processo de averiguação. – sugeriu, tentando manter um tom de voz pouco dominador. A sua vontade era obriga-la a obedecer, seguir os seus conselhos à força.
- Talvez tenhas razão… - confessou, aliviada por tê-lo na sua vida. Da primeira vez que enfrentara Tiago fizera-o sozinha, em péssimas condições psicológicas, e conseguira sobreviver. Com João a seu lado seria bastante mais fácil. – Vais comigo à esquadra? – perguntou a medo.
- Claro. Eu sou testemunha, não penses sequer em ir sem mim. – disse-lhe, sabendo que ela precisava dele naquele momento mas que não gostaria de ter de o pedinchar. Já a conhecia tão bem que parecia que conviviam há vários anos, sem segredos ou aspetos de personalidade que surpreendessem um ou outro.
- Está bem, quando quiseres ir, vamos. – concluiu, sorrindo-lhe agradecida. Romântico, pensou enternecida, romântico e altruísta…
- Trouxeste o telemóvel? Assim quando eu terminar as consultas de manhã venho buscar-te. – disse-lhe, enquanto encostava o carro junto ao prédio onde Isabel dava aulas.
- Trouxe, mas eu vou lá ter. – informou-o, abrindo a porta do carro e saindo para rodear o carro.
- Vais deixar-me assim, sem uma despedida em condições? – lamentou-se, ligeiramente frustrado.
- Não, mas se fico aí dentro aos beijos contigo perdemos a hora. – explicou divertida, dando-lhe um beijo leve pela janela do lado do condutor, mas rapidamente sendo puxada para um segundo beijo mais demorado. – Vês? – pigarreou, tentando aclarar a garganta, que ficara presa com aquele arrebatamento sensual. – És um perigo…
- A menina é a culpada. – brincou, retomando o ar sério logo de seguida – Se mudares de ideia, eu venho buscar-te.
Isabel afastou-se em direção ao prédio, sorrindo-lhe, e João ficou a certificar-se de que não havia ninguém suspeito por perto a vigiá-la. Fingiu estar a mexer no telemóvel, com os óculos escuros postos, e olhou todos os carros e homens nos passeios, tentando detetar algum comportamento estranho. Sentia-se a entrar numa espiral de mania da perseguição, mas não queria saber, o que não podia era ser descuidado e permitir que o traste a perturbasse novamente. Poisou o telefone e arrancou, tendo de travar a fundo logo de seguida para não embater num carro que se lhe atravessou à frente inesperadamente. O homem parecia assustado e confuso, e pediu-lhe desculpa por gestos, submissamente, libertando a estrada e permitindo que João retomasse a marcha. Respirou fundo do susto e encaminhou-se para o trabalho. Tinha de prestar mais atenção à estrada, concluiu nervoso.

Tiago precisava de o tirar do caminho, e a ideia de o assustar animou-o ao ponto de desistir parar o carro e ir buscar Isabel dentro do prédio puxada pelos cabelos. Talvez brincasse primeiro com os nervos do rapaz, durante algum tempo, só pelo gozo de o chatear. Ela estaria sempre ali à espera de ser castigada pela sua ousadia, mas o seu novo pretendente teria de aprender que não se mexe no que é dos outros. Primeiro o homem e o cão, depois, quando ela já estivesse devidamente perturbada, não hesitaria em voltar para si, a bem ou a mal. Desejava que ela lutasse, que não fosse fácil, assim teria muito mais prazer, suspirou, relembrando-se de como era delicioso bater-lhe. Ela também gostava, Tiago sabia-o, e naquele dia, em que juraram perante Deus que nada os separaria, Isabel dissera no altar que sim, mesmo depois de já ter levado a primeira de muitas bofetadas. Ele sabia cumprir promessas.


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