terça-feira, 12 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 25 (8ª parte)




Um hotel despertou-lhe a atenção, e decidiu ir saber informações sobre condições e vagas, estacionando o carro e deixando Isabel a retocar a maquilhagem que parecia nunca ser suficiente. Entrou na receção e um funcionário animado cumprimentou-o com algum à vontade, como se já se conhecessem antes.
- Bom dia! Em que posso ajudar? - perguntou o rapaz alegre.
- Olá bom dia, tem vagas? Queria ficar uns dias aqui pelo Gerês, precisava de um quarto com cama de casal. - explicou, sem perceber o sorriso demasiado franco do outro.
- Ah, sim, claro. Penso que temos um excelente quarto ainda disponível, deixe-me só confirmar. - disse, concentrando-se no computador. - Sim, temos, também vai precisar da cama extra para o “Filipe”? - perguntou, satisfeito consigo mesmo e a sua memória prodigiosa.
- Não... - balbuciou - Desculpe, eu já aqui estive antes? - perguntou confuso.
- Sim, não se recorda? Veio com uma senhora bonita e um cão. O Filipe. - explicou, a sentir-se baralhado. Teria feito confusão e estaria a cometer uma indiscrição?
- Ok, não interessa. - concluiu, tentando concentrar-se no que ali tinha ido fazer. - Vou ao carro buscar as malas, reserve então esse quarto. - Tirou da carteira o cartão de cidadão e estendeu-lho para formalizar a reserva. Isabel entrou nesse momento na receção e agarrou-se à cintura de João possessivamente, olhando depois em volta e dirigindo-se ao WC sem sequer dar os bons dias. - Não era esta a senhora bonita da outra vez, pois não? - perguntou ao rapaz corado.
- Não...
- E como era a outra senhora bonita?
- Morena, mais pequena, não tão... - pigarreou desconfortável - Bem, mais magra, mais sorridente, assim um tanto, vá, digamos, excêntrica.
- Excêntrica? - perguntou divertido com a descrição de Ganesha.
- Sim, sabe, roupas largas, tipo hippie, mas não da forma maltrapilha, se é que me entende.
- Claro, compreendo. Completamente diferente desta senhora que veio hoje comigo. - acrescentou.
- Sim, completamente diferente... - confirmou, corando violentamente assim que Isabel reapareceu na receção.
- Então? Ficamos aqui? - perguntou, tornando a enlaçá-lo e deixando-o embaraçado.
- Sim querida, estamos só a terminar o pagamento, podes ir até ao bar, se quiseres, tomar qualquer coisa. Eu trato de tudo. - disse-lhe, fingindo-se descontraído com aquelas demonstrações de afecto..
- É só assinar aqui, senhor. - pediu profissionalmente o rapaz. - Precisa de ajuda com as malas?
- Não, obrigado. E diga-me uma coisa, esse tal cão, como era? Pequenino? - continuou o questionário assim que Isabel se retirou.
- Não! Era enorme! Mas muito bem comportado. Coitadinho, depois daquele acidente lá nas piscinas naturais só queria comer e dormir. E recuperou bem? A pata ficou boa?
- Não me recordo. Fiquei amnésico há uns tempos atrás. - confessou, sem complexos. - E por falar nisso, confirme-me só o nome da minha companhia nessa altura. Deve ter aí registado, não?
- Sim, claro. - disse prestativo - Mas não se recorda de nada? Extraordinário... nunca tinha ouvido falar de uma coisa assim... - percorria os registos do verão enquanto falava - Aqui está!, Dr João Marques e Marta, mais extra de cama de cão “Filipe”, obrigou-me a menina Marta a acrescentar. Ela não queria que o tratassem por cão. - sorriu divertido.
- Vou então ao carro, obrigado pela ajuda. - caminhou pensativo, meio perdido nos seus quebra-cabeças, cabisbaixo, de volta ao carro. Seria assim tão complicado perceber o que tinha acontecido a Marta? Se ali tinha estado no verão com ela, e com o cão, onde encaixava Isabel naquilo tudo? Fechou a mala e olhou o hotel que parecia mais familiar, agora que descobrira que não era a primeira vez que o visitava. Parecia que o seu subconsciente o levava pela mão e direccionava a locais e pessoas que já tinham feito parte da sua vida. Tirou uma foto à fachada do hotel e enviou-lhe sem legenda. Não sabia o que haveria de dizer, ficaria à espera do seu contacto para ir percebendo o que ela queria. Desejava que o quisesse, como Isabel, por quem não conseguia sentir nada. Uma azia subiu-lhe à garganta quando o verbalizou a si mesmo em confirmação. Todo o seu corpo lhe dava alertas sobre o que era certo e errado, e enganar Isabel não iria ser certamente fácil.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet) 

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