segunda-feira, 25 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Final



César e Elisabete chegaram interrompendo o momento e transformando-o na festa de aniversário que realmente deveria estar a acontecer, acalmando os ânimos com a serenidade madura que os caracterizava. Só Elisabete transparecia uma leve excitação quando João cruzava o olhar com o dela, garantindo-lhe em linguagem muda que tudo estava pronto para a surpresa final.
- Permitam-me que diga umas palavrinhas, enquanto todos estamos sóbrios e capazes de testemunhar no futuro, se necessário! - gracejou, colocando-se de pé e abraçando Isabel, ligeiramente desconfortável com declarações públicas. - O ano passado foi um dos melhores e piores da minha vida, encontrei o amor da minha vida e perdi-o, e os pormenores vocês todos já sabem. - despachou, com pressa para chegar à parte importante - Mas o mais incrível de tudo o que vivi foi a descoberta de que o João não existia na realidade. Nunca fui psiquiatra, nem mulherengo, muito menos um ricalhaço cheio de mordomias. O meu nome é João, mas sou jardineiro a aprender agricultura, só amo a Isabel e gosto de casas pequenas e de madeira. Desculpa, querida, se te desiludi. - brincou, olhando-a - Nunca foi minha intenção enganar-te. E agora que já me confessei, queria agradecer-vos a todos o que fizeram por mim e pela Isabel, nunca vos vou conseguir pagar a amizade que me dedicaram. - levantou a cerveja em gesto de brinde - Mas, e agora vem o mais importante, - disse, com um tom misterioso que deixou Isabel ligeiramente ansiosa. Tinha a sensação de que ele andava a tramar alguma, e secretamente desejava que fosse um pedido de casamento para acabarem de vez com o celibato - A minha Isabel faz hoje anos, e é a ela que devemos fazer o verdadeiro brinde! Parabéns amor! - beijou-a, deixando-a ligeiramente frustrada. Tinha sido a altura ideal, ali junta de todos os amigos, para lhe fazer a proposta romântica, pensou abatida. Porque deixava ele arrastar aquele sofrimento físico?
A noite já ia longa, quando João se decidiu a ir para casa com Isabel, que desfalecia de sono. Dançaram quase até já não sentirem os pés, num frenesim de festejo que não combinava com aquilo que Isabel sentia, depois do brinde. Não podia dizer que estava triste, João dedicara-se toda a noite a adorá-la de todas as formas e feitios, mas o corpo pedia cama e descanso, para conseguir absorver a frustração de ter pensado que ele não queria casar. Talvez esse fosse o limite dele, depois de tudo o que tinha vivido com a morte do irmão, da mãe e depois da primeira mulher. Isabel era uma romântica, no fundo imaginava-se a vestir-se de branco e casar com um príncipe, para apagar finalmente da memória o seu casamento com o demónio. Dizer que sim a João era o seu desejo mais profundo, mas nunca lho diria. No caminho para casa pouco falou, fingindo-se dormitar, mas os seus pensamentos giravam e traziam-lhe dúvidas que não facilitariam o resto da noite. Estava implícito que acabaria naquele dia o celibato, mas Isabel não se sentia propriamente excitada com isso, o que a deixava receosa de o magoar. O carro parou e João saiu, pensando que ela dormia, abriu a porta do lado de Isabel devagar e chamou-a, ajudando-a a sair, com um abraço que a fez amolecer ainda mais.
- Estás muito cansada? - perguntou-lhe, ansioso com o que tinha ainda por fazer. Sabia que ela estava desiludida com o seu discurso, conhecia-a bem, e custara-lhe não revelar a surpresa que a esperava.
- Hum, hum... - Isabel abriu os olhos, caminhando abraçada a João, quando este parou à entrada da casa, e ligou as luzes do alpendre, que abriram uma fiada de gambiarras que iluminaram o espaço, transformando-o num local idílico.
- Isabel... ainda falta a minha prenda. - sussurrou-lhe ao ouvido de forma sensual, acordando todas as células do corpo dela. - Precisas de estar acordada... - respirou-lhe desde o ouvido até à boca, beijando-a com intenção e sentindo-a a desfalecer, pronta. Olhou-a. - Nunca tive tanta vontade de fazer isto, e tenho aguentado até hoje, para que este fosse o teu momento. - tirou a caixa do bolso e mostrou-lhe um anel simples, com uma beleza igual à dela, verdadeira - Isabel, queres casar comigo? Ter filhos comigo? Ou cães, ou o que gostares mais?
Isabel olhava-o sem falar, completamente rendida ao romantismo delicioso dele, do qual duvidara horas antes, a sentir um calor que subia e descia do chakra Muladhara ao Anahata, numa espiral de prazer quase idêntico ao orgasmo. Seria quilo possível?
- Isabel... não dizes nada? - perguntou confuso com o ar de prazer dela e o silêncio. Percebeu que algo se passava dentro dela, algo estranho, e abriu a porta, puxando-a levemente para dentro de casa, orientando-a em transe até à sala de prática. Fechou a porta, num impulso, selando-os naquele local espiritual, colocou as luzes em modo baixo e levou-a até ao centro da sala. Os olhos de Isabel emitiam um brilho que já tinha visto antes, e como ela parecia noutra dimensão, decidiu ouvir a sua intuição e não esperar por ordens. Despiu-se totalmente, despiu-a a seguir, sem pressas, beijando-a em todos os locais possíveis e imaginários, e deitou-a, ficando a pairar por cima dela, que continuava em transe, como se apenas ali estivesse o corpo, que o reclamava cada vez mais. João esperou que Isabel voltasse, e assim que percebeu nos olhos dela que chegara o momento, consumou a união entre os dois.
Milhares de estrelas rodopiavam à volta dos dois, soprando cânticos de louvor e êxtase, enquanto Isabel atingia o clímax e o chakra Sahastrara abria um feixe de várias cores em direção ao céu. Chegara, finalmente, pensou, sentindo-se ainda a levitar, com a respiração violenta a normalizar. Recuperou a visão, e João olhava-a divertido, com um sorriso vitorioso, como se sentisse orgulhoso de qualquer coisa.
- Isto foi um sim?


FIM

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