sexta-feira, 7 de agosto de 2020

"A Mala Vermelha" - Capítulo 14





A casa continuava igual, como Tiago se lembrava da primeira vez que forçara a entrada, alguns anos antes. A idiota era descuidada, não trancava as janelas, tinha a mania que ainda vivia no Solar, onde alguém sempre atento lhe trataria da segurança e comodidade, constatou com desprezo. Entrou calmamente, observando tudo pormenorizadamente, à espera de ver sinais claros de  que já enfiara outro homem na cama. Estava tudo limpo e arrumado, a cama só tinha uma almofada, o que o tranquilizou um pouco, talvez estivesse a imaginar coisas, concluiu. Espreitou na pequena casa-de-banho, uma escova de dentes, um champô de mulher, sabonete de glicerina, como ela gostava, nada de presenças secundárias por ali. Caminhou até à cozinha, inspecionando tudo, sentiu uma raiva a crescer-lhe no peito ao observar as duas chávenas no escorredor, o estupor já bebia chá com ela… Abriu o cesto da roupa suja, tirou peça por peça, tudo de mulher, concluiu satisfeito, cheirando-as num instinto doentio de saudades. Guardava a roupa novamente, quando umas calças se soltaram embrulhadas no meio de uma das suas longas saias, sentiu-se corar de fúria, eram demasiado grandes para ela as usar, de homem, rosnou. – Vaca… - soltou, dirigindo-se à sala de prática, disposto a vingar-se. Tirou da sua mochila a lata de tinta vermelha em spray, abanou-a e deixou-lhe o recado. Curto e grosso. Ela iria entender.



João estacionou o carro à porta da casa de Marta, retirou Filipe do banco traseiro, e seguiu-a até casa, observando a sua elegância natural de mulher confiante. Ainda não tinham tido oportunidade de falar sobre o que estava a acontecer com os dois, mas já percebera que ela não era muito dada a esclarecimentos teóricos sobre os seus sentimentos. Isso angustiava-o um pouco, mas por outro lado, deixava-o numa expectativa excitante. Poisou o cão no seu cesto da entrada, fazendo-lhe uma festa e entrou em casa, tirando os sapatos à entrada, como ela fazia. Era um hábito diferente, mas que curiosamente o fazia sentir-se confortável e relaxado. Marta levou o seu saco de viagem até ao quarto, arrumou o que estava limpo e levou a roupa suja para o cesto na cozinha. Franziu o sobrolho ao ver a tampa torta, levantou-a e espreitou, sentindo uma azia estranha. Seria imaginação sua, ou a última peça que lá pusera era o pijama e este não aparecia no cimo da roupa? João surgiu distraindo-a das suas paranóias, e trazia consigo uma energia que lhe pôs o cérebro em pausa, apagando tudo. Mais uma vez não falaram nada, absorvendo apenas a química que os envolvia, e que já tinham adiado bastante tempo. João pegou nela e levou-a instintivamente para a sala de prática, sem saber bem porquê, parecia-lhe o sítio ideal para terminar aquele dia, sob o olhar sábio e protetor de Ganesha. Marta abriu a porta com o braço livre, e o outro a rodear o pescoço de João, que a beijava apaixonado. Sentiu-o a baixar-se até ao chão, sentar-se em posição de lótus, mantendo-a no colo, e sorriu interiormente, afinal ele tinha lido o livro, pensou satisfeita. Fez uma pausa, olhando-o apaixonada, a sentir-se completamente rendida, em êxtase, pronta para lhe dizer que sim, que também o adorava, quando João ficou subitamente hirto, com os olhos furiosos, a fixar a parede, sobressaltando-a.
- Marta, o que é isto? – sussurrou, fazendo-a voltar a cabeça para o local.
- AH…. – engoliu o grito de horror, agarrando os braços de João à procura de apoio.
João abraçou-a, a sentir-se ferver por dentro, sentia-a a desfalecer em silêncio, sem explicar o que poderia ter ali acontecido, queria berrar e abaná-la, mas primeiro tinham de sair dali. A imagem grotesca, desenhada na parede a cobrir os deuses hindus, acompanhada de palavras de ódio e ameaças, eram demasiado fortes para aguentar. Fugiram para a rua, sentando-se nas escadas da entrada, com a garganta seca, um ao lado do outro. Marta olhava o infinito em transe, sem se mexer, parecia pensar em algo muito triste ou terrível, concluía João, sem saber o que fazer para que ela reagisse. Abraçou-a, encostando a cabeça dela no seu peito e deixaram-se ficar assim, até que Marta se decidisse a falar.
Foi Filipe quem quebrou o silêncio, ladrando, dando sinal, e sobressalto-a novamente.
- Ele nunca ladra… - levantou-se em pânico, a imaginar que Tiago estivesse por ali, escondido a observá-los, pronto a atacar.
-Marta, para. Olha para mim, tem calma. – pediu João, a ver materializar-se noutra pessoa aquilo que ele vivia diariamente, a ansiedade, o medo a espalharem-se por todo o corpo. -  Vamos embora daqui. – disse decidido. Sentou-a no chão, ao lado de Filipe, entrou em casa e tornou a encher o saco dela com roupas ao acaso. Entrou na sala de prática, pegou na pequena estátua de Ganesha intacta e colocou-a também no saco, bem como a mala vermelha, a tal que o levara até ali e que estranhamente aparecia naquele momento, ou estivera sempre com eles?, perguntava-se confuso, caminhando para a rua. Levou-os para o carro, meteu o cesto de Filipe na mala e trancou a casa. Marta continuava sem reagir, apenas seguindo-o com o olhos, pálida.
- Hoje ficas em minha casa, ok? Temos de perceber o que aconteceu aqui. – disse-lhe, beijando-lhe a mão. – Não tenhas medo, tudo se vai resolver.


Agora era só esperar que ela tivesse juízo, que voltasse para casa sozinha e deixasse de o ver. Tinha sido bastante claro cinco anos antes. Ou ela ficava com ele, ou estava condenada a morrer sozinha. E Tiago teria todo o prazer de se certificar disso, que Marta morreria. Fugira de Castelo Branco para Coimbra, com uma identidade nova, como se isso fosse o suficiente para que ele não a descobrisse, recordava-se sorrindo. Era mesmo estúpida e ingénua, dissera-lhe à saída do tribunal. Não havia sentença nenhuma que os separasse, muito menos que lhe garantisse a liberdade que ela desejava. Bastara-lhe um mês para a encontrar, a ela e ao maldito cão, que devia ter afogado junto com os outros, lamentava-se furioso. Dar-lhe-ia um par de dias para que ela regressasse a casa, e apanhasse juízo, se isso não acontecesse, resolveria o assunto à sua maneira.


- Vou fazer um chá. – disse João, beijando-lhe a cabeça. Era Psiquiatra, mas uma vez mais não conseguia usar nada do que aprendera para a ajudar. Deveria ser capaz de a fazer falar, de a pôr confortável o suficiente para que saísse daquele estado catatónico. Sentia-se furioso e alterado, não conseguiria o distanciamento necessário para a trazer de volta. Uma ideia surgiu-lhe e telefonou a César. Talvez o amigo a conseguisse trazer de volta.
- João, não me sinto bem… - sussurrou sem forças, sentindo um desmaio iminente. Há alguns anos que não vivia aquelas sensações de terror, mas reconhecia a reação do seu corpo às lembranças da sua vida com Tiago.
- Calma, já chamei o César, ele vai saber o que fazer. – pegou nela ao colo e levou-a para o quarto, cada vez mais nervoso com tudo aquilo. A impotência voltava, pensou angustiado ao lembrar-se de Isabel a morrer. Não aguentaria perder Marta, disse-lhe o seu inconsciente, não sabia bem porquê, só a conhecia há menos de duas semanas. Isabel fora sua mulher e namorada durante mais de uma década, mas morrera e ele continuara vivo. A ideia de que Marta lhe definhasse nos braços era muito mais aterradora.  – Queres o chá?
- Não… ainda não. – respondeu-lhe com dificuldade. Fica aqui comigo, por favor. – pediu-lhe, abraçando-o. Não era de Tiago que tinha medo, do que ele pudesse fazer-lhe, mas sim de que tudo aquilo fosse impossível, que tivesse de o deixar, para o proteger. Poderia ir à polícia, denunciar o ex-marido, ele estava proibido de chegar perto dela, mas e se ele entretanto atacasse João, se descobrisse onde morava o homem que ela começara a amar? Essa angústia corroía-a por dentro, a indecisão do que deveria fazer. Percebera a mensagem na parede: “O que foi que te avisei? Puta Ordinária”. Deveria andar a espiá-la novamente, insistia naquela loucura, nunca mais iria ter paz, ser feliz.
César chegou rapidamente, receoso do pedido de ajuda do amigo, que deveria estar muito mal para o chamar, concluiu gravemente. Bateu à porta e aguardou nervoso, temia o dia em que não chegaria a tempo para João. Este abriu a porta energicamente, para espanto de César, que pensava encontra-lo abatido e desesperado, achando-o apenas desesperado, mas carregado de energia positiva, a reação proactiva a um problema, o vulgarmente chamado, fodido da vida.
- Olá César, obrigado por teres vindo. Preciso que me ajudes a acalmar a Marta. – disse-lhe de rompante, chamando-o até ao quarto, onde ela se mantinha deitada de lado a olhar a parede, sem se mexer.
- Ela parece calma. – sussurrou-lhe antes de entrar, feliz por não ter nas mãos nenhuma situação de histeria ou descontrole físico.
- Ela parece-te calma. – explicou-lhe ao ouvido – Acredita que isto não é normal.
- Deixa-me falar com ela sozinho. – pediu-lhe, fechando a porta devagar e aproximando-se da cama, onde se sentou paternalmente junto dela.

Marta e César falaram durante bastante tempo, quase num sussurro que João não conseguia perceber. Ficou tentado em colocar o ouvido na porta, mas a estupidez da ideia travou-o, indo simplesmente sentar-se junto de Filipe, na sala, a consolar o animal e a si mesmo, fazendo-lhe festas e massagens que relaxaram os dois. João nunca tinha gostado de cães em particular, e sempre se sentira desconfortável junto deles, grandes ou pequenos, que reagiam instintivamente à sua energia negativa. Mas Filipe era um cão diferente, pensava distraído, parecia entender tudo o que se passava à sua volta, com um olhar astuto e cheio de personalidade, que transmitia os seus estados de espírito de forma honesta. Para além disso, emitia uns sons guturais que quase falavam, e como Marta tinha dito no momento de pânico em sua casa, aquele cão nunca ladrava. Parecia mesmo recusar-se a ser cem por cento animal, arranjando sons alternativos para se explicar.
- És mesmo giro, sabias? – disse-lhe João, já sentado no chão com o grande animal esparramado por cima de si, em posição adequada a ser massajado com eficácia.
- Vocês são os dois muito giros. – comentou Marta que apareceu na sala, já com cores e lado a lado com César, que sorria sem vestígios de preocupação no olhar.
- Bem, aqui está uma cena que sempre pensei impossível de ver, o João a brincar com um cão… - comentou César, que se mantinha naturalmente confortável mesmo depois da conversa com Marta.
- Sentes-te melhor? – perguntou João, levantando-se com dificuldade debaixo do cão.
- Sim, está tudo bem. – respondeu, abraçando-o sorridente e beijando-o como se fosse aquilo um hábito entre um casal já antigo. César respirou fundo, mostrando um sinal de alívio perante aquela demonstração de afeto e despediu-se dos dois.
- Levas o Filipe à rua? Ele deve estar aflito. Eu vou tentar perceber como se usam estas coisas todas aqui na cozinha e tentar não nos matar com um jantar inventado. – deu dois beijos no psiquiatra, que corou ligeiramente, e encaminhou-se, com toda a graça e elegância que lhe eram características, para a cozinha.
Os dois médicos saíram de casa, com Filipe ainda no colo de João, que esperou ficar a sós com o amigo para tentar saber pormenores sobre a conversa entre ele e Marta.
- Então, César? Ela explicou-te o que aconteceu na sala de yoga de sua casa?
- Sim, contou-me que foi vandalizada. – disse calmamente.
- E por quem? Ela não disse? Aquilo que lá estava escrito era pessoal. – exclamou inflamado.
- Deve ser, mas como disseste e bem, é pessoal. – encarou-o sério.
- Estás a brincar a comigo? – vociferou, poisando o cão no chão, num local onde o animal poderia estar sossegado. – Ela tem de chamar a policia e denunciar quem fez aquilo!
- João, acalma-te. Se chegas lá a cima a casa e te pões nestes termos a comandar o que ela tem ou não tem de fazer, garanto-te que sai porta fora e nunca mais a vez. – sentenciou.
- Como assim? – uma acidez subiu-lhe até à garganta, ao imaginar que Marta desaparecesse da sua vida naquele momento – Ela disse que ia embora?
- Não, não disse. – suspirou – Só estou a fazer deduções, João. Eu não te posso contar tudo aquilo que falámos, terás de ser tu a conversar com ela. Mas, em todo o caso, tenho de te alertar de que a Marta conseguiu sair de uma relação com um psicótico e vai reagir mal se a pões contra a espada e a parede. Independentemente de eu e tu sabermos que chamar a polícia seria o mais correto a fazer, também lhe sugeri isso, as mulheres que lidaram com homens possessivos e agressivos, e conseguiram livrar-se deles, tendem a ganhar um medo irracional a situações de confronto com os antigos companheiros. É natural, a polícia e o tribunal são meras formalidades, quando tu sabes que nenhuma dessas instâncias nada  pode contra um maluco com a missão de te matar.
- Ele tentou matá-la? – disse quase sem voz, agarrando o braço de César para se apoiar.
- Vai para cima, acalma-te, não a obrigues a falar hoje. – aconselhou-o, dando-lhe uma palmada suave do ombro – Descansem e amanhã é outro dia!
- Obrigado César. – conseguiu dizer, em jeito de despedida, abatido com o facto de não poder resolver tudo aquilo naquela mesma noite. Talvez estivesse mesmo a ser leviano e ingénuo ao pensar que o ir fazer queixa às autoridades resolveria o problema instantaneamente. 
- Ah, é verdade… - César voltou-se para João a meio do seu trajeto até ao prédio do lado – Ela não é lésbica. – piscou-lhe o olho e sorriu, regressando ao seu caminho até casa.
- Já desconfiava... – tentou sorrir de volta. Deveria estar aos pulos de satisfação com aquela confirmação de que Marta poderia gostar dele como homem, mas a azia não o deixava festejar. Sentia-se furioso com um tipo que não conhecia, o que lhe arrepiava ligeiramente os pelos na nuca. Procurou por Filipe, que se arrastava pelo pequeno passeio relvado, numa luta entre a tala da pata traseira, a procura de uma posição confortável em cima da pouca natureza que a urbanização lhe permitia, e uma comichão qualquer atrás da orelha. Decidiu esperar um pouco antes de subir, para pensar o que dizer, treinar a descontração que César lhe sugerira, mas que lhe parecia impossível de conseguir. O cão não parecia estar com pressa, e João sentou-se num banco a admirar aquelas manobras acrobáticas. Como era bom ser cão, pensou com alguma inveja. Pelo menos aquele cão, corrigiu, imaginando-o a dormir por cima da dona vestida com aquele pijama minúsculo que lhe vira há dois dias por baixo do robe. – Sortudo.


Marta lutava com o micro-ondas demasiado sofisticado da cozinha ultra-moderna de João, carregando em botões atrás de botões, sentindo-se uma idiota por não conseguir perceber como se descongelava coisas sem ser ao natural, ou em água quente, como estava habituada na sua casa com os ritmos mais lentos. Não podiam ficar horas à espera que aquela mistela estranha aquecesse ao ar, lamentava-se, aborrecida com a ideia de que teria de lhe perguntar como se usava aquela geringonça, e detestava pedir favores, especialmente a homens. Quase se convencera a si própria de que teria de engolir o orgulho no que dizia respeito ao micro-ondas, quando subitamente a máquina decidiu colaborar e iniciou o processo de descongelar, ao mesmo tempo que a campainha da porta tocou, junto com um bater leve de nós dos dedos. Marta dirigiu-se à entrada e espreitou pelo óculo, já a embarcar em pensamentos neuróticos de perseguição. Confirmou que era ele e abriu a porta aos dois machos da sua vida. Esse pensamento fê-la sorrir e João ainda não tinha poisado Filipe nem fechado a porta, já ela se lhe tinha agarrado ao pescoço, beijando-o. O cão libertou-se do abraço de grupo com dificuldade, saltando nas três patas para o chão e procurando um sítio isolado para descansar, enquanto o casal esbarrava contra os objetos dispostos nas superfícies dos móveis modernos da sala. Encontraram o sofá, depois de várias caneladas na mobília, e caíram desamparados, sem notar que Filipe os olhava de orelhas em pé, surpreso com aquela súbita luta. Arrancaram os sapatos, as roupas, sem se descolarem um do outro, numa fúria desenfreada que começou a enervar o cão, que dava voltas sobre si mesmo, com a pata enfaixada ao pendurão, soltando uivos. Marta e João pararam para olhar o animal, que se arrastava na direção do sofá, gemendo de medo, sem entender o que se passava entre eles os dois, obrigando-os a isolarem-se no quarto e fechar a porta.
- Isto é como ter um filho, é preciso os papás se esconderem para darem uns beijinhos… brincou João, puxando-a para si.
- Pior… este vai-te arranhar a porta toda… - gracejou, acabando de despir o que ainda trazia no corpo.
- Acho que vai valer a pena… o que é uma porta riscada perante uma mulher nua? – provocou João sorrindo à imagem de Marta.
- “Uma mulher”? – reclamou ofendida com aquele termo pouco personalizado.
- A minha mulher. – atreveu-se a classificar.
- Ah, assim está melhor. – sorriu-lhe afetada, queimando de alegria interiormente. Há muito tempo que não se sentia tão feliz, ironicamente, no dia em que Tiago ressuscitara na sua vida. César tinha razão, a vida era uma caixa de surpresas, ninguém está certo de nada, mas podemos escolher o que fazer perante aquilo que nos vai surgindo, de bom e de mau. João era uma prenda do destino, uma oportunidade de ser feliz e de fazer felicidade com outro. Não iria afastá-lo, pelo contrário, se ele quisesse, e aceitasse o seu passado, iria pela primeira vez em muito tempo, lutar por manter essa felicidade. 
- E eu? – perguntou-lhe ao ouvido, interrompendo os seus pensamentos.
- Tu? – questionou-o surpreendida, sem entender a pergunta.
- O que sou eu para ti? – um aperto no estômago obrigou-o a olhá-la perante o seu silêncio.
- João, tu és o meu homem. – disse, num rasgo de coragem inédito.
- Ah bom… - comentou aliviado, e estupidamente contente. Levantou-a do chão, enquanto a beijava apaixonadamente, sentindo-se tonto de tanta emoção. O seu corpo era ainda mais fácil de amar que a sua personalidade, o que o enlouqueceu. Tudo parecia de tal forma seu e familiar, sem constrangimentos ou dúvidas, simplesmente doce e sensual, numa combinação perfeita que o arrebatou. Como era possível que alguém não a venerasse ou beijasse os pés à cabeça? Como podia aquele traste ter-lhe batido e infernizado a vida? Não iria descansar enquanto aquele homem estivesse solto, ou vivo, concluiu vingativo.
- Prometes-me uma coisa? – pediu Marta procurando o seu olhar.
- Não sei… - beijou-lhe o pescoço, descendo até ao ombro.
- Não te zangas comigo se eu te contar um segredo?
- Não sei… - continuou a descida, quase sem a ouvir.
- Eu não me chamo Marta… - confessou.
- Ah não?... – gracejou, sem parar de a beijar. Sabia bem quem ela era, mas queria que o dissesse espontaneamente.
- Eu chamo-me Isabel… - conseguiu dizer, com medo de que ele achasse estranho ou bizarro ela ter o mesmo nome da ex-mulher falecida.
- Hum… - levantou a cabeça e olhou-a a sorrir, deliciado com o voto de confiança que ela lhe dava. – E posso tratar-te por Belinha?
- Não achas estranho?... – perguntou aflita.
- Não. – apoiou todo o seu peso em cima dela, encarando-a – Eu já sei disso há alguns dias. Sei de várias coisas… andei a pesquisar. – confessou.
- E então? Queres ser namorado de uma mulher que vive uma vida dupla a fugir de um psicopata?
- Não, se ela quiser, quero casar com uma mulher linda, boazona, livre e desimpedida, que ainda por cima sabe sexo tântrico! – disse-lhe reforçando as palavras com alguns beijos estratégicos.
- Isso não se diz assim… é cobardia… agora tenho de aceitar para tu não parares… - sentia-se a entrar em ebulição com aquela conversa de pé de orelha, carregada de estímulos.
- Eu consigo ser muito retorcido, ainda não viste nada. – ameaçou-a, voltando-a para cima de si. Sexo falante, aquilo era uma novidade, constatou divertido. Levantou-se e ficaram sentados um no outro, de cabeças coladas, encarando-se apaixonados.
- Podes chamar-me de Isabel? Eu queria ouvir.
- Isabel. – beijou-a na bochecha – Isabel. – no canto da boca – Isabel. – no pescoço livre que ela lhe oferecia ao colocar a cabeça para trás. – Isabel. – no peito.
- Adoro-te. 

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(imagem, internet)

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