quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Capítulo 1, 2ª parte



Mais uma vez o telemóvel acabou por cair da mesa-de-cabeceira de tanto vibrar e tocar. Passavam já vinte minutos da hora certa para acordar, quando Margarida se permitiu abrir os olhos e amaldiçoar a luz matinal que irradiava um novo dia e uma estranha esperança para os pássaros que alegremente cantavam na rua. Arrastou-se para a casa de banho e dormitou mais tempo do que devia no chuveiro, quando se lembrou que naquela manhã tinha marcada uma reunião com um “chato do caraças” que nos últimos meses lhe enviava emails, requisitando a sua atenção para um manuscrito que, tinha de confessar, nem sequer tirara da mala...
Uma das suas mil e uma exigências profissionais era ler em papel, recusava a ideia de se limitar a um ecrã de computador porque adorava rabiscar e fazer anotações técnicas. Como habitualmente, recebera um envelope pesado, e parecera-lhe logo, só pelas folhas imaculadas e o cheiro agoniante a perfume, que o tal Tomás "qualquer coisa" deveria ser um insuportável menino da mamã, rico e sem conteúdo. Daqueles nojentos das camisas tom pastel com quem nunca desejara conviver nos seus tempos de liceu. Agora teria de olhar Aquele, recebê-lo no seu escritório e fingir que estava interessada nos devaneios literários do saloio... A vida às vezes era madrasta, lamentava Margarida, e não fosse o seu brio profissional e as constantes chantagens da sua chefe, ter-se-ia recusado a conhecer o betinho que a queria obrigar a queimar as pestanas com aquele calhamaço a cheirar a frutas! Com Ana Santos, essa sociopata mandona, teria de se entender noutra altura. O seu comportamento autoritário e insano estava a começar a dar-lhe comichões e não fazia tenção de ganhar nenhum eczema à conta dela. Mas, por ora o "pequeno" Tomás ocuparia todos os seus pensamentos e esforços.
Já tinha traçado um plano genial, e mesmo estando tão atrasada naquela manhã, seria cumprido à risca! Inspirou profundamente frente ao espelho da casa de banho, e optou por sair de casa sem comer, dedicando-se apenas ao fabrico meticuloso da sua personagem favorita, a «cabra excêntrica»! Cabelo negro esticado, lentes de contacto, maquilhagem a puxar o gótico, roupa preta e justa, botas de cano alto biqueira de aço vermelhas, que guardara religiosamente dos tempos de liceu, sem esquecer o seu pequeno pecado dos dias stressantes, o maço de tabaco.
Olhou-se uma vez mais ao espelho e lamentou ter tão mau feitio, pois quando queria, conseguia ser mesmo uma brasa! Qualquer homem se ajoelharia a seus pés, se à personagem do espelho lhe colocassem um stick nas mãos!
Saiu de casa divertida com o choque que o palerma levaria quando se deparasse com a melhor editora das redondezas mascarada de adolescente problemática com problemas de álcool, senão pior!

(Direitos Reservados, afsr)


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