- É impossível ter lido duas
páginas do meu manuscrito, porque simplesmente não há lá nada para ler. Não sou
escritor, investigo crimes. A sua chefe é uma pessoa astuta, e quando lhe pedi
ajuda para a minha... missão, digamos, ela previu que esta seria a forma mais
fácil de conseguir chegar a reunir consigo, já que tem a fama de se recusar a
ceder "tempo de antena" a qualquer tipo de conversa que não diga
respeito a trabalho. Assim, combinámos que lhe enviaria um
"manuscrito" fantasma, que obviamente não iria ler porque despreza,
deixe que lhe diga, de forma injusta, os desgraçados dos elitistas com nomes
pomposos. - observou com entusiasmo, continuando o seu discurso bem estudado
fruto de todos aqueles meses de espera. - E aqui estou eu, finalmente sentado
no escritório da melhor editora, segundo os especialistas. - disse
enfaticamente - Resumindo, preciso que me ajude a solucionar um caso que me tem
tirado o sono, e para isso, pretendo utilizar a sua experiência profissional e
os seus famosos dotes de mentalista! - disse sorrindo de forma franca.
- Não percebo. - confessou
Margarida - Mentalista?! Mas onde foi buscar essa ideia estapafúrdia? - Será
que toda a gente sabia dos seus poderes de análise? Não havia nada de
extraordinário naquilo, dizia a si mesma ansiosa, era apenas um conjunto de
sensações e ideias que tinha ao olhar para alguém, e certamente que ninguém bom
da cabeça levaria esses devaneios a sério! O gajo só podia ser um tarado
qualquer, com muito bom aspeto, mas tolinho de todo.
Queria acabar rapidamente com
aquela conversa surreal, e levantou-se da cadeira, dirigindo-se energicamente à
porta do escritório pronta a terminar aquela loucura em que a sua querida chefe
a tinha envolvido, facto que não lhe iria perdoar tão cedo.
- Conheço variados
profissionais que poderão ajudá-lo na sua missão - disse ela enfatizando o tom
irónico na última palavra - mas não disponho no meu consultório de divã com
capacidade para o seu tamanho! – era mesmo grande, o raio do homem, percebeu ao
analisar melhor o comprimento das suas pernas - Gostaria muito de o poder
ajudar, mas chumbei a "ciências esotéricas" na faculdade! -
regozijava por dentro, satisfeita por ter retomado o discurso fácil e letal que
tanto a caracterizava.
- Ah, ah! - soltou ele
descontroladamente - Esperava alguma resistência da sua parte, é claro, mas não
me tinham prevenido para o seu sentido de humor! Maravilhoso! - abriu um
sorriso compreensivo e fez-lhe sinal para que retomasse o seu lugar em frente
na secretária, gesto que ela obedeceu maquinalmente, resmungando resmungando de forma inaudível.
- Não venho à procura de bruxas, nem de curandeiras, apenas sei de
fontes fidedignas que sabe reconhecer, ou melhor, analisar a fibra das pessoas. A Dra. Ana acha que
tem um sexto sentido, e eu acredito nela. - Margarida surpreendeu-se com aquela
expressão que era tão sua, “fibra das pessoas”, mas que aquele tipo tinha
definido de forma natural - E essa sua estranha mas, tão preciosa qualidade,
pode ser a chave para a resolução de um problema que não consigo decifrar
sozinho, por muito competente que eu seja. - rematou com sinceridade,
silenciando-se estrategicamente à espera que ela reagisse à sua frontalidade.
(direitos reservados, afsr)
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