sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Capítulo 1, 3ª parte



Entrou desenfreada na editora, correndo escada acima até chegar ao seu local privado de tortura de criancinhas mimadas, e por breves instantes pareceu-lhe ouvir alguns gritos abafados dos colegas surpreendidos pela sua figura matinal. Afinal sabia mesmo como provocar escândalo!
Com a barriga a resmungar de fome, e passados quinze minutos da hora marcada, obrigou-se a ir buscar umas bolachas e um café às máquinas de vending do corredor, voltando apressadamente para o seu palco improvisado, e engolindo o pequeno-almoço para ter tempo de retocar o batom antes que o fulano aparecesse. Recostou-se na cadeira, passou ligeiramente pelas brasas, quando olhou o relógio e se deu conta de que o "menino" estava quarenta e cinco minutos atrasado! Era demais para um dia só, ser obrigada a fazer aquela entrevista, e ainda por cima ter de esperar por Sua Excelência...
Saiu para a varanda do seu escritório. Acendeu um cigarro, fechou os olhos como numa oração, saboreando aquele sacro-momento em que todas as células do corpo reconhecem a nicotina como um velho amigo tão esperado, e rezou para não ter um ataque de asma e ter de recorrer à bomba que a acompanhava desde os dezasseis anos.
Esfumaçava sem pressas, resmungando ocasionalmente em surdina os seus lamentos matinais, quando lhe saiu um pouco mais alto que devia - Sacana arrogante!
- Presente! - ouviu uma voz divertida que vinha de dentro do escritório, e a surpresa de não estar sozinha fê-la deixar cair o cigarro que ainda ia a meio, voltando-se rapidamente para encarar, da forma menos humilhante possível, o descarado que certamente não tinha relógios em casa nem nunca tinha sido ensinado a bater à porta.
Questionou-se há quanto tempo estaria a ser observada, o que a fez odiar ainda mais o senhor perito em cunhas, que em vez de se dedicar aos cavalos ou ao golfe, insistia por birra que queria ser escritor.
- Peço desculpa se a assustei, mas a porta estava aberta e não resisti a analisar o terreno antes de ser bombardeado com perguntas... vícios de profissão! - desculpou-se ele com um sorriso demasiado aberto para o seu gosto.
- De facto não é a forma mais correta de se apresentar a quem tem a faca - naquele momento desejava literalmente - e o queijo na mão, mas, feitas as apresentações de forma tão sui géneris, passemos ao trabalho, que já leva quase uma hora de atraso! - acrescentou de forma dura, recompondo-se e tomando as rédeas da situação.

- Margarida, prazer! - estendeu a mão formalmente, recebendo um cumprimento firme e confiante, que a fez pensar que talvez o betinho não tivesse tido coragem de se apresentar pessoalmente, mandando o empregado das cavalariças em representação. Este era de facto um homem grande e robusto, um pouco mais velho do que imaginara, na casa dos trinta, daqueles que o tempo e o trabalho de força enrijecem, com mãos fortes, peito largo, e um pescoço másculo que noutras ocasiões mais descontraídas a fariam perder as estribeiras. Mas estava perante o inimigo, e isso era o bastante para a concentrar!   

(direitos reservados, afsr)

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