Entrou
desenfreada na editora, correndo escada acima até chegar ao seu local privado
de tortura de criancinhas mimadas, e por breves instantes pareceu-lhe ouvir
alguns gritos abafados dos colegas surpreendidos pela sua figura matinal.
Afinal sabia mesmo como provocar escândalo!
Com
a barriga a resmungar de fome, e passados quinze minutos da hora marcada,
obrigou-se a ir buscar umas bolachas e um café às máquinas de vending do
corredor, voltando apressadamente para o seu palco improvisado, e engolindo o
pequeno-almoço para ter tempo de retocar o batom antes que o fulano aparecesse.
Recostou-se na cadeira, passou ligeiramente pelas brasas, quando olhou o relógio
e se deu conta de que o "menino" estava quarenta e cinco minutos atrasado! Era
demais para um dia só, ser obrigada a fazer aquela entrevista, e ainda por cima
ter de esperar por Sua Excelência...
Saiu
para a varanda do seu escritório. Acendeu um cigarro, fechou os olhos como numa
oração, saboreando aquele sacro-momento em que todas as células do corpo
reconhecem a nicotina como um velho amigo tão esperado, e rezou para não ter um
ataque de asma e ter de recorrer à bomba que a acompanhava desde os dezasseis
anos.
Esfumaçava
sem pressas, resmungando ocasionalmente em surdina os seus lamentos matinais,
quando lhe saiu um pouco mais alto que devia - Sacana arrogante!
-
Presente! - ouviu uma voz divertida que vinha de dentro do escritório, e a
surpresa de não estar sozinha fê-la deixar cair o cigarro que ainda ia a meio,
voltando-se rapidamente para encarar, da forma menos humilhante possível, o
descarado que certamente não tinha relógios em casa nem nunca tinha sido
ensinado a bater à porta.
Questio nou-se
há quanto tempo estaria a ser observada, o que a fez odiar ainda mais o senhor
perito em cunhas, que em vez de se dedicar aos cavalos ou ao golfe, insistia
por birra que queria ser escritor.
-
Peço desculpa se a assustei, mas a porta estava aberta e não resisti a analisar
o terreno antes de ser bombardeado com perguntas... vícios de profissão! -
desculpou-se ele com um sorriso demasiado aberto para o seu gosto.
- De
facto não é a forma mais correta de se apresentar a quem tem a faca - naquele
momento desejava literalmente - e o queijo na mão, mas, feitas as apresentações
de forma tão sui géneris, passemos ao trabalho, que já leva quase uma
hora de atraso! - acrescentou de forma dura, recompondo-se e tomando as rédeas
da situação.
-
Margarida, prazer! - estendeu a mão formalmente, recebendo um cumprimento
firme e confiante, que a fez pensar que talvez o betinho não tivesse tido
coragem de se apresentar pessoalmente, mandando o empregado das cavalariças em
representação. Este era de facto um homem grande e robusto, um pouco mais velho
do que imaginara, na casa dos trinta, daqueles que o tempo e o trabalho de
força enrijecem, com mãos fortes, peito largo, e um pescoço másculo que noutras
ocasiões mais descontraídas a fariam perder as estribeiras. Mas estava perante
o inimigo, e isso era o bastante para a concentrar!
(direitos reservados, afsr)
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