Passaram-se certamente mais de
dois minutos e Nuno já não aguentava mais aquele scan visual quando finalmente
ganhou coragem e falou:
- Está em transe, ou é mais
grave que isso e eu já devia ter chamado o INEM? Se pensa que só porque sou
polícia, tenho a obrigação de saber reanimação, está enganada! Também chumbei
nessa cadeira! - gracejou.
- Vou pensar no assunto e assim
que me decidir aviso-o. - disse Margarida rispidamente, levantando-se e
estendendo a mão, num gesto que dava por terminada a sessão, e convidava Nuno a
sair.
Meio aparvalhado, mas sem
perder a compostura, o desafiador de um metro e noventa levantou-se e despediu-se, acrescentando de forma educada:
- Espero sinceramente que me
responda positivamente e o mais depressa possível. - disse, virando-se calmamente em
direção à porta e caminhando com aquela segurança de quem possui uma arma
debaixo do casaco e nada teme.
Antes de sair, Nuno hesitou. Voltou-se,
e olhando para os pés dela, não resistiu a brincar um pouco com aquela freak mal disposta e difícil,
terrivelmente difícil, - As botas são giras! A minha sobrinha de quinze anos
comprou agora umas iguais para o inverno, parecem-me bastante robustas e
quentes! Boa escolha! Então adeus e até breve! - rematou ele, saindo do
escritório.
Margarida tinha a certeza de que o parvalhão
levava um sorriso na cara.
Furiosa, humilhada e com fome,
dirigiu-se como um furacão à sala da Direção. Cabeças iam rolar ao final
daquela que tinha sido uma das piores manhãs da sua vida profissional.
Bateu à porta, e num acesso de
lucidez, respirou fundo para não cuspir fogo diretamente nos cabelos alourados
e impregnados de materiais inflamáveis que a Dra. Ana usava. Seria uma
crueldade destruir o centro de gravidade do seu Ego... se bem que naquele
momento era mais que merecido.
-Entra Margarida! - ouviu a voz
de falsete cantarolar, e aquela melodia soou-lhe particularmente irritante.
Deu um safanão na maçaneta da
porta e marchou em direção à cadeira das visitas à espera que a chefe
desligasse o telefonema e lhe desse a devida atenção, porque tinha várias
perguntas que necessitavam de respostas claras e não se contentaria com
linguagem gestual, como normalmente acontecia nas breves "reuniões"
entre as duas.
A diretora vivia obcecada com o
agregado familiar, com quem parecia estar eternamente ao telefone, filhos,
marido, irmãos, pais e ainda um avô, dominavam por completo aquela mulher
pequena, gorda, com um cabelo demasiado armado para o tamanho da cabeça, mas
que nunca duvidara dos instintos profissionais de Margarida. Ana raramente a
contrariara, até chegar um polícia gigante e ela ter conversado com ele de pé.
Só poderia ser essa a explicação para aquela maldição que tinha surgido na sua
vida, a chefe tinha ficado amedrontada com o investigador e com medo que lhe
prendessem um dos filhos malucos, decidira ajudar naquela cruzada lunática de
caça ao psicopata fantasma... E o mais grave de tudo aquilo, Margarida, que não
desligava a luz de noite, era a melhor hipótese de sucesso aos olhos da
polícia. Estavam tramados, pensou, engolindo em seco, e ela acabaria aos pedaços dentro de um saco do lixo
preto de tamanho industrial. Decidiu que antes de ir para casa compraria o
soporífero.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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