-
Tomás, um seu criado! - respondeu ele de forma teatral e irritantemente
divertida, dando-lhe a impressão de que este sabia o quanto os salamaleques a
enervavam.
- Li
com muita atenção o seu manuscrito - mentiu Margarida ao se sentar rígida na
cadeira - e quero que me explique, resumidamente, o que o levou a escrever, e o
que espera atingir com este trabalho - esta merda que nem penses que vou ler,
concluiu ela mentalmente.
-
Leu? - perguntou ele surpreso, ficando calado à espera de uma resposta.
Ali
era ela quem fazia as perguntas, eles respondiam e espalhavam-se ao comprido
perante o olhar fixo da megera.
-
Está a brincar comigo? - vociferou quase descontrolada - Já lhe disse que li, e
agora responda às minhas perguntas que não tenho a existência toda para o
entrevistar! - estava gradualmente a perder a paciência e teria de fumar outro
cigarro se o homem não colaborasse.
-
Desculpe, mas não posso deixar de ficar indignado com a facilidade com que uma
profissional do seu gabarito mente - explicou, semicerrando os olhos num tom
provocador que a fez corar - mas assim vamos diretos ao assunto que realmente
me trouxe cá, e esclarecemos tudo. – concluiu, calmamente.
Abençoou
o facto de ter abusado na maquilhagem e de ele parecer não ter notado que se
sentia envergonhada com aquela exposição crua da sua mentira, mas a experiência
que adquirira naquele tipo de entrevistas era grande, e teria de encontrar uma
forma elegante de sair vitoriosa.
-
Como deve compreender, - começou Margarida a explicar - na minha profissão
aparecem diariamente dezenas de candidatos ao prémio Nobel da literatura, só que, surpreendentemente, a maioria não sabe sequer escrever o nome, quanto mais
expor ideias no papel! Confesso que li duas páginas apenas. Para a minha
análise, chega!- disse num tom irónico. Ficou pouco convencida dos seus
argumentos, e teve a certeza de que não estava nos seus melhores dias quando
Tomás a fitou silenciosamente com ar de gozo, de braços cruzados.
- Mais
uma vez estou pasmado com a sua capacidade de mentir, mas não posso permitir
que se continue a humilhar, já que sou um cavalheiro, e o que me trouxe até si
é sério e estamos a desperdiçar tempo precioso nesta conversa, que por muito
que me divirta, já devia ter tido lugar há meses, não fosse a sua resistência.
- rematou.
Margarida
queria saltar por cima da secretária e "esfrangalhar" aquele tipo, e por breves
segundos imaginou a cena deliciosa de se ver a esmurrar aquele idiota, e foi
com grande esforço que limitou os seus desejos a um:
- Queira então dar-me o prazer de explicar o que estamos
aqui a fazer, e poupe-me aos seus pseudo enigmas, senhor Tomás. A sua
entrevista já demorou mais do que devia. - terminou de forma conclusiva e
direta.
Ele
endireitou-se na cadeira e modificou a postura, sendo possível a Margarida
perceber que a brincadeira tinha terminado, e sim, aquele homem não era oco.
Havia qualquer coisa naquela cena que não batia certo, Tomás não era nome de
macho.
(direitos reservados, afsr)
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