quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Capítulo 2, 2ª parte


De todos os autores, Eça de Queirós era o seu preferido, talvez por se recordar das gargalhadas de barítono que Dinis soltava ao ler a "Relíquia", uma sátira mordaz aos falsos beatos da sociedade portuguesa do século XIX. Margarida poderia ficar horas sentada no pequeno sofá de pele gasta a admirar aquele homem grande e alegre, inspirando o cheiro da sua cigarrilha aromática que aos catorze anos experimentou fumar às escondidas. Estava sozinha em casa naquela tarde, ganhou coragem e decidiu tentar perceber o prazer daquele vício. Deu duas passas exageradamente longas na cigarrilha e só se recordava de acordar esticada no sofá com os lamentos histéricos da mãe, que lhe colocava água fresca na cara pálida, enquanto o pai gozava aquela cena queirosiana sufocando o riso, afastando-se da mulher que repreendia ferozmente o seu sentido de humor macabro.
Eram uma família feliz, e Margarida e Isabel tinham ficado sozinhas cedo demais.

- Estás doente querida? - perguntou Isabel, preocupada - Não me lembro de alguma vez teres faltado ao trabalho. Queres um chazinho? - Para Isabel tudo se curava com uma xícara de chá quente. Dores, más disposições, tristezas, desgostos e uma tisana mágica era a solução!
- Não, mãe, estou apenas chateada. Hoje tive uma manhã difícil e precisava de desanuviar a cabeça, nada mais. - e Isabel percebeu que não era necessário mais conversa. A filha tinha uma forma muito própria de se resolver internamente, e a ela cabia o papel de a auxiliar nesse processo com comida feita com bastante amor. Levantou-se e deixou a filha sorumbática na sala de estar, dirigindo-se animadamente para a sua sala de poções, pronta a desempenhar o seu papel de enfermeira holística.
Margarida enfardou dois pratos cheios da mistela estranha, mais uma das experiências vegans que a mãe cozinhava como ninguém, e recuperou parte do seu ânimo, rematando com um chazinho estimulante.
Conversaram sobre as novidades do prédio de Isabel, riram com as maluqueiras da vizinha do 3º esquerdo e Margarida lamentou-se uma vez mais das porcarias que tinha de ler na próxima semana. Para ela a maioria dos escritores eram uma perfeita chachada. Isabel fazia de advogada de defesa dos clientes da editora, como habitualmente, e tentava em vão que a filha compreendesse que não havia Eças de Queirós em todas as gerações. A compaixão que Isabel sentia pelos escritores que nas suas carreiras esbarravam com Margarida era cada vez maior, a filha piorava de feitio de ano para ano, pensava preocupada.

Perto das 20h00, despediram-se e Margarida agradeceu o almoço e a companhia, não sem antes prometer que voltaria ainda naquela semana para continuarem as fofocas. Um pequeno esforço para agradar aquela mulher bondosa a quem tentaria não desiludir.

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(imagem, internet)

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