terça-feira, 23 de junho de 2020

"Safara" - Capítulo 10




-Vamos Sofia? – Manuel saía da casa de banho do centro de saúde de Moura, depois de a ex-namorada ter sido atendida e o médico não ter dado nenhuma má notícia relativamente ao bebé. Apenas lhe tinha recomendado repouso durante uns dias, segundo a mesma.
- Sim. – respondeu docemente, agradecendo a Manuel a sua disponibilidade para a ajudar.
- Podes devolver-me o meu casaco, por favor. – ordenou. Não queria que ela se comportasse como uma namorada atenciosa, para além de que tinha receio de que Teresa já lhe tivesse ligado, o que o fez engolir em seco.
- Eh.. Manuel, o telefone tocou algumas vezes, e… eu pensei que fosse da Herdade para saberem de notícias nossas… e atendi. – Sofia sabia que Manuel iria ficar furioso, ele detestava que lhe mexessem no seu telefone e invadissem a privacidade.
- O quê? – ela não podia ter feito aquilo… uma névoa vermelha começava a surgir no seu olhar, procurou desesperado pelo aparelho, verificou o histórico de chamadas e lá estavam… dezenas de telefonemas em poucos minutos e uma chamada de um minuto e dez segundos. Olhou Sofia incrédulo, com vontade de a espancar. – O que disseste à pessoa que me telefonou? – disse baixinho, sem acreditar no rol de desgraças que o estavam a assolar.
- Bem, ela perguntou quem falava, eu disse que era a… namorada do Manuel. – Tentava falar sem demonstrar medo. – Porque afinal de contas é o que eu sou, ou era até chegar aqui ontem! Não terminámos nada, que eu saiba! – lançou decidida. – Porquê? Quem era a mulher, quem é a Teresa que te liga centenas de vezes seguidas?
- Tu o quê? – Manuel sabia que Sofia era atrevida, mas nada o podia preparar para aquele desfecho. – Sofia, a Teresa é a mulher que me fez ficar em Safara e desistir de voltar para Coimbra, é simplesmente a pessoa que eu amo, e com quem de facto desejaria ter um filho e casar! – berrou-lhe, fazendo várias cabeças rodar na direção dos dois, curiosos. – Nunca, mas nunca mais tenhas a ousadia de tocar no meu telefone ou te tentes meter na minha vida! – ameaçou Manuel, virando-lhe as costas e caminhando para o estacionamento.
Sofia tinha a certeza de que era Ela quando atendeu o telefonema. Agora sabia o nome, só faltava vê-la, descobrir informações e acabar com aquilo tudo de uma vez. Mais uma vez a sua intuição não a tinha enganado. Teresa, que nome chocho e fora de moda, pensou, ressabiada. Devia ser uma pacóvia qualquer, uma daquelas alentejanas de boas famílias a quem ele devia estar comprometido desde os cueiros… Certamente os pais tinham-no persuadido a cumprir com as suas responsabilidades para herdar as propriedades e o dinheiro, só podia ser esse o Amor de que ele falava. Manuel não era nenhum herói romântico, nem tinha inclinação para relações patéticas e assoberbadas. Estava na hora de o convencer disso mesmo, e de o salvar de um casamento falhado. Mas antes, conquistaria os avós do pequeno herdeiro encomendado, não consumado, mas definitivamente nos seus planos!



Francisco sentia-se um canalha, tinha levantado uma suspeita e não estava aliviado com isso. Quando, naquela manhã, Manuel passara pelo café com uma mulher no carro, de cabeça deitada no seu ombro, vira o pânico nos seus olhos. Estava quase certo de que ali havia asneira, e da grossa. A recordação amarga de Helena alimentava os planos de vingança que se lhe tinham desenhado na cabeça desde cedo, mas ao tomar a iniciativa e revelar aquela informação a Teresa, nada lhe sabia como imaginara. Estranho… pensou incomodado, enquanto se encaminhava para o café, agora que a largada de touros já terminara e todos voltavam lentamente aos seus poisos habituais. Iria esclarecer a clientela acerca do episódio do touro que quase tinha investido pela casa da Dr.ª a dentro. Nas aldeias a imaginação das pessoas era fértil, e ele próprio teria de pôr algum travão nos seus pensamentos. Da soleira da porta da Dr.ª Teresa até ao café já tinha imaginado Rita em várias posições nada decentes, cada uma delas mais excitante que a outra. Ainda ficava com a moleira desfeita, e a culpa daquilo tudo só podia ser do sol abrasador na cabeça, ou do facto de uma mulher de metro e meio o ter feito sentir-se pequeno. Anã de um raio…


Manuel deixou Sofia na Herdade, que estremeceu quando este bateu a porta de casa, depois de informar os pais que não iria ficar em casa durante o resto do fim-de-semana prolongado. Voltaria terça-feira, para trabalhar, e agradecia que o deixassem em paz até lá. Sofia percebeu a ameaça e resignou-se. Pelo menos até ele voltar ficaria sossegada, afinal tinha muito em que pensar. Aproveitaria aqueles dois dias para perceber quem era a Teresa, como tinha surgido aquela relação, etc. Nada de atitudes precipitadas, se queria casar com Manuel, teria de o fazer esquecer a outra mulher, e voltar a encarar o antigo namoro como a única solução viável para o seu futuro. Iriam ter um filho, que ainda era preciso conceber, logo, quanto mais esperta Sofia fosse, mais rapidamente resolveria aquela questão. Não tinha grande escolha, ou ficava quieta de momento e engolia a raiva até à estocada final, ou poderia perder tudo: Manuel, riqueza, futuro risonho. A sua natureza explosiva complicava cada vez mais os seus planos, e toda aquela calmaria da herdade a enlouqueciam gradualmente. Faziam-na recordar a sua casa, o ritmo da terra, dos animais, que se impunha a qualquer capricho ou sonho. Tudo era comandado pelas horas de comer, limpar, sachar, mondar, podar, numa lei ancestral e implacável. Odiava aquela prisão sufocante desde pequena, e sentia arrepios frios na coluna só de pensar em ter de viver ali o resto dos seus dias. Era imperioso agir com inteligência e calma. Isso e conseguir beber um whisky velho o quanto antes, maldita criança que ainda nem existia e já a punha louca…


Manuel parou a pick-up na rua mais próxima da casa de Teresa e arrepiou-se ao ver os homens da aldeia a desmontar as paredes de madeira improvisadas que eram utilizadas na anual largada de touros. Ele próprio tinha selecionado os touros da sua herdade que iriam participar no evento na semana anterior, como era possível ter-se esquecido que Teresa vivia numa das ruas onde passavam os animais? Correu rua abaixo em direção à casa e estremeceu ao ver a porta danificada, de manhã cedo aquela tábua estava intacta, e só poderia ter sido uma cornada a arrancar tamanho lanho… A casa estava silenciosa, cheirava a uma mistura de açorda e algo acre… Sangue… Havia sangue pelas escadas acima e pequenas pegadas vermelhas no corredor. Gritou por Teresa, desesperado, subiu até ao quarto e encontrou-a a dormir de telemóvel na mão, tão calma que o sobressaltou. Certificou-se de que ela respirava, e gentilmente levantou o edredão para a observar, procurando uma explicação para o sangue que havia espalhado pelo chão da casa. Viu os seus pés ligados grosseiramente, e estranhou que uma médica fosse tão imperfeita a fazer um curativo. Aquilo parecia mais trabalho de um homem. Ao mesmo tempo que a sua mente ciumenta começava a trepar por caminhos perigosos, recriminou-se por não ter sido ele a cuidar daqueles ferimentos. A culpa abrandou o seu temperamento possessivo, fazendo-o relaxar os músculos do pescoço pela primeira vez em várias horas naquele dia. Tapou-a com cuidado, tirou-lhe o telefone da mão, imaginando o seu olhar desiludido quando a parva da Sofia atendeu o telefonema… Conseguia perceber que tinha chorado, a almofada ainda estava manchada, e as suas pestanas longas pareciam ainda maiores, húmidas. O seu coração apertava-se, contorcendo-se dentro do peito, tinha de lhe pedir perdão e explicar tudo convenientemente, se ela ainda o quisesse ouvir, receou. Decidiu limpar a casa para se distrair, e imaginar qualquer coisa para jantarem. Deixaria Teresa dormir, e depois, com calma, contaria tudo, a Sofia que estava a viver na herdade, o bebé que tinha surgido nas suas vidas, o seu repentino desaparecimento naquela manhã… Só esperava que Teresa fosse mais branda com ele do que ele próprio seria, se ela lhe dissesse que estava grávida de uma relação anterior…
Desceu ao rés-do-chão, cada vez mais angustiado, precisava de ocupar a cabeça urgentemente para não enlouquecer. Ao limpar as escadas tentava recriar os últimos acontecimentos, imaginando a sucessão de tragédias que poderiam ter produzido aquele cenário dantesco, quando reparou num movimento acima da sua cabeça e viu uma osga perto do tecto. Não pôde deixar de sorrir, seria aquele animal o culpado de tudo aquilo? Era bem provável, dizia a si mesmo. Esticou-se, e com destreza agarrou facilmente o pequeno invasor, ralhando-lhe baixinho enquanto se dirigia à porta da rua para o libertar:
- Acho que já fizeste estragos suficientes por hoje!
- Se soubesse que era assim tão fácil agarrar uma sardanisca não teria feito este estardalhaço todo. – disse Teresa secamente, forçando-se a manter um tom impessoal. Ainda estava demasiado abalada com o telefonema revelador e sentia o orgulho ferido de uma forma que nunca pensara ser possível.
- Teresa, como te sentes? Não devias andar de pé. – Manuel sabia que estava magoada, e não a podia recriminar. A sua natureza gentil e carinhosa tinha sido substituída por uma mulher que se mantinha à defesa, com as armas bem apontadas, preparadas para o ataque. Tinha de a abordar com calma, antes dela o expulsar de casa precisava de conseguir falar tudo o que era vital ser falado. – Tens fome? Vou fazer uma massa para o jantar, apetece-te?
- Não precisas de te incomodar, eu já me sinto melhor. – respondeu friamente, sem sair do lugar. – A doença parece estar finalmente a desaparecer, e ainda tenho dois dias para descansar. Podes ir para a herdade, parece que por lá a tua presença é mais requisitada. – Não sabia bem porque dizia aquilo, mas a sua intuição feminina assobiava-lhe ao ouvido, ditando-lhe cinicamente aquelas palavras. Certamente uma namorada vinda de Coimbra teria de estar a viver na herdade, e aí estava a explicação porque ela tinha sido expulsa do local e trazida às pressas para a Vila. Tudo lhe surgia claramente, cravando-lhe uma dor aguda no peito, à medida que o verbalizava. – A tua namorada Sofia voltou e certamente terás de lhe fazer companhia. – Manuel olhava-a em pânico, Teresa via-lhe o medo no olhar, a dúvida de como reagir e não conseguia sentir-se melhor por isso. Sentia um impulso de lhe correr para os braços, chorar no seu peito, sentir as suas mãos fortes e quentes à volta do seu corpo protegendo-a. Não gostava de confrontos, nem de magoar gratuitamente ninguém, mesmo um traidor daqueles.
- Teresa, preciso de te explicar o que se está a passar, por favor ouve-me, sem interrupções, e depois tiras as tuas conclusões e decides o que fazer. – saiu-lhe quase em sussurro. Caminhou até junto de Teresa, sentou-se num degrau das escadas e puxou-lhe levemente uma das mãos fazendo-a sentar-se bem junto de si. Aquela aproximação num corredor pouco iluminado fazia-o lembrar as confissões a que a mãe o obrigava participar na igreja em criança, por altura da Páscoa, um momento que temia mas que no final o libertava de todas as culpas infantis que ia acumulando nas aventuras e brincadeiras com Francisco. Fez uma pequena prece silenciosa, pedindo aos santos intercessão, era agora ou nunca. Ou Teresa aceitava aquele bebé e tudo o que isso implicava de futuro, ou era o fim. Não a poderia obrigar a viver os seus problemas.
- A Sofia de quem te falei no fim-de-semana que passámos juntos na herdade apareceu ontem lá em casa, de mala e cunha, dizendo que está grávida de um filho meu. – engoliu em seco - Não quis que estivesses perto dela, por isso trouxe-te para cá, com a ajuda da Rita e deixei-a na herdade com os meus pais. Estou decidido a assumir o bebé, afinal ele não tem culpa, mas nada mais que isso. Tu és a mulher que eu amo, e a única com quem um dia me casaria e teria uma família. – Viu-lhe um leve estremecimento no olhar, sabia que Teresa também sentia o mesmo por ele, talvez houvesse esperança, pensou retomando o discurso. – Mas agora surgiu esta trapalhada toda, e tu ainda estavas tão debilitada e doente, queria que te sentisses melhor antes de te largar esta bomba em cima. Eu sei que não és obrigada a aceitar estas pessoas na tua vida, nem te vou suplicar que fiques comigo. Não seria justo. – desejava implorar-lhe que não o abandonasse, como um cobarde egoísta. – Hoje de manhã tive de a levar às urgências, sentiu-se mal, e isto não é nada do que estou a prever vindo da Sofia. Sei que não me facilitará a vida, será caprichosa, exigente, manipuladora e enquanto a criança não nascer vou pagar bem caro tudo isto, eu e quem estiver relacionado comigo. – olhou-a e ficou em silêncio, sem saber mais o que dizer.
 Teresa respirou fundo, tudo aquilo era demasiada informação para digerir de repente. Manuel era um homem justo, e estranhamente aquele discurso a fazia amá-lo ainda mais. Relembrou-se de Rui, que certamente em situação semelhante a faria sentir-se culpada, sem remorsos, e choraria como um bebé mimado, implorando que ela o ajudasse a resolver os seus problemas. Manuel por sua vez engolia o medo, dava-lhe a mão confessando honestamente os seus sentimentos e dando-lhe uma vez mais uma prova do seu amor, puro, sincero e altruísta. Como podia ela castiga-lo por tudo aquilo? Um filho… uma ex-namorada doida o suficiente para se impor daquela forma nas suas vidas…Sem pensar, deixou que o seu coração comandasse os seus movimentos e sentou-se no seu colo, enroscando-se, sentindo o bater do seu coração descompassado, e colocando uma mão nos seus lábios entreabertos pelo espanto.
- Por favor não digas mais nada, - pediu, sentindo os seus braços fortes a responder ao seu abraço – tive tanto medo de que não fosses real, quando aquela mulher atendeu o teu telefone. Receei que tivesse imaginado uma pessoa diferente, idealizado tudo aquilo que sentes por mim. – Manuel beijava-lhe a cabeça, a testa, a cara, suavemente, tirando-lhe o fôlego a cada toque, como se acariciasse algo de muito valioso. – Só me interessa aquilo que podemos viver os dois, e de alguma forma encontraremos maneira de aprender a viver com o bebé, quando nascer. Até lá, ainda falta muito tempo… – Sentia-se a perder a consciência, envolvida nos lábios quentes e apaixonados de Manuel, que a elevavam para aquele sítio mágico, onde o mundo ficava reduzido a nada, sem importância. As mãos envolviam-lhe os cabelos com uma delicadeza sensual, como só ele conseguia, pondo-lhe todos os sentidos em dormência, num transe hipnótico. Beijou-o de volta, devolvendo-lhe todas as emoções que recebia, e Manuel levou-a facilmente até ao quarto, sem quebrar aquela aura que se formava quando se amavam. Se ela o aceitava assim imperfeito e o amava, não havia mais nada a temer.

Teresa dormitava com a cabeça no peito de Manuel, que a embalava com a respiração calma, penteando os seus cabelos longos com os dedos, perdido nos seus pensamentos, que por causa dela se tornavam cada vez mais otimistas. A nuvem negra e agoirenta que Sofia trouxera para Safara parecia agora mais distante e inofensiva que nunca.
- Tenho fome… - lamentou-se Teresa, abrindo um olho preguiçoso, e olhando de esguelha para Manuel. Não gostava muito de dar ordens, mas naquele momento desejava não ter que se levantar para cozinhar. Sentia o corpo exausto e pesado, e afinal de contas o culpado era ele e toda aquela energia animal, pensou sorrindo.
- Muito bem, eu prometi-lhe uma massa para o jantar, e vou cumprir! Afinal, dá muita energia e é de digestão rápida! – sorriu pretensioso, deixando uma ameaça no ar, ao mesmo tempo que vestia uma t-shirt e uns boxers, orgulhoso ao expor a sua forma física que sabia perturbar Teresa.
Teresa sentiu-se corar, e escondeu a cara na almofada, não podia crer que ele ainda quisesse repetir tudo aquilo depois de comer. O melhor seria obedecer, pensou resignada. Jantar na cama, um adónis insaciável e a promessa de ainda mais sexo divinal não era uma forma assim tão má de terminar um sábado à noite, não era hora de ser mal agradecida, disse para si mesma com um sorriso estúpido na cara.


- Não sei se vou amanhã à tourada, - disse Rita a medo, receando a reação dos pais tradicionalistas. – ando tão cansada com tudo o que tem acontecido… - era uma justificação válida, pensava esperançosa. A última coisa que queria era ver aquele bruto emproado em cima de um cavalo, sexy como o raio…
- Era só o que faltava! – berrou Julieta. – A maior festa do ano cá da terra e tu ficas a sornar em casa. Na Senhora, vais comigo à Missa de manhã e de tarde vamos com os teus tios à tourada, como manda a tradição. – sentenciou decidida. A juventude andava cada vez mais arredada de tudo o que fazia sentido para os safarenhos. Mas do que dependesse dela, pelo menos na sua casa a tradição seria respeitada, nem que fosse à força.
- Bolas… - sussurrou Rita, a mãe era tão mandona. A Missa ainda se compreendia, mas que lógica tinha adorar a Deus de manhã e ter pensamentos de luxúria à tarde a olhar um macho montado num garanhão, que perseguiam uma besta e o marcavam com bandarilhas cruéis? Ainda nem tinha lá chegado e já estava naquele estado, só de o imaginar… Aquilo ia ser bonito… lamentou-se, levantando-se da mesa e pedindo licença para sair. Tinha de apanhar ar, ou casar rapidamente, como lhe recomendava a tia Miquelina, sempre atenta aos rubores das moçoilas solteiras. Mais não fosse para se distrair a lavar as cuecas do marido, dizia sorrindo sem dentes. Era bem animada e sábia aquela velha viúva, pensava Rita com carinho, sentando-se na soleira da porta. Sabia que estava a adiar um acontecimento natural, namorar, casar, ter filhos, aturar aquela gente toda e estranhamente gostar disso. Namorara esporadicamente com alguns rapazes, mas quando se imaginava a acordar eternamente ao seu lado sentia náuseas de tal forma fortes que lhe punham os sentidos em alerta, principalmente o olfato, e a partir desse momento entrava numa espiral de neurose, cheirando obsessivamente tudo no pobre rapaz. Daí até encontrar um problema irreconciliável que determinasse o fim de tudo era uma questão de minutos. Ou o hálito do pobre António lhe dava vómitos, ou os sovacos do Pedro a agoniavam, cada um deles trazia um defeito pior que o outro. Poderia aturar tudo num marido, menos cheiro a homem, o que seria de facto um problema catastrófico, já que não tinha tendências lésbicas… pensava sorrindo com o caminho que os seus pensamentos tomavam. E num momento de iluminação percebeu o que precisava de fazer para tirar o toureiro da sua cabeça, de uma vez por todas, e poder continuar a sua vida pacata sem noites de insónias e calores. Chegaria perto dele o suficiente para o cheirar, e isso deveria ser o bastante para acabar com o problema. Se o fizesse depois da tourada, seria infalível. Nada como uma tarde de sol alentejano em cima de um homem, disse para si mesma esperançosa. 


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(imagem, internet)





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