terça-feira, 9 de junho de 2020

"Safara" - Capítulo 5




- Onde fica o quarto de hóspedes? – perguntou Teresa. O facto de irem ficar a sós na herdade durante dois dias não tinha de significar exatamente que dormiriam juntos. Havia tanta coisa que não tinham vivido ainda um com o outro, por força das circunstâncias, de ter bebido licores artesanais a mais e terem começado pelo fim… enumerava para si mesma. Era uma mulher introvertida em certas ocasiões, não seria diferente com Manuel, pensava.
- Eh… ali ao fundo, à direita. – pigarreou desconfortável com a situação, confuso com a mensagem que aquela pergunta lhe dava. – Podes guardar lá as tuas coisas, eu vou vestir os calções de banho, estou cheio de calor. – disse Manuel dirigindo-se ao seu quarto e deixando a porta entreaberta. 
Teresa deixou-se ficar a olhar sem fazer barulho. A curiosidade era um dos seus grandes defeitos, nada como um bom suspense para a deixar alerta. Já tinha pensado bastantes vezes nele despido, na noite anterior tudo se passara de forma bastante rápida mas, a promessa do que se adivinhava por debaixo da roupa justa que Manuel usava não a podia ter preparado para aquela visão. Recordou-se em flashback de uma estátua que admirara mais de meia hora numa visita de estudo à Grécia, contornos definidos, proporções matemáticas, pele macia, um Deus grego, ali tão perto, a querer partilhar uma cama com ela. Seria tarde demais para trazer a mala do quarto de hóspedes e pedir asilo junto dele? Ficou com cólicas ao imaginar-se despida, de frente a um espelho. Seria terrível demais, um desconsolo, uma maldade, lamentava-se ao enumerar mentalmente todos os defeitos da sua compleição física. Era bonita, não o podia negar, mas aquele nível de perfeição e harmonia eram impossíveis de igualar, dizia a sua voz interior. Agora não havia volta a dar, pensava angustiada, teria de se humilhar e aparecer de bikini junto daquele adónis. Evitaria a todo o custo o reflexo de uma janela ou espelho, quando estivessem demasiado perto um do outro, assim ele podia não perceber o quanto era maravilhoso. Dirigiu-se ao quarto de hóspedes, vestiu as pequenas peças de roupa cor-de-rosa e rejubilou ao perceber que tinha colocado um pareo na mala. Embrulhou-se nele, o que melhorou consideravelmente a sua figura, pelo menos chegaria de uma forma digna à beira da piscina.
- Estás pronta? – disse ele.
Manuel surgiu à porta, só de calções, com os cabelos num desalinho que lhe ficava a matar, pensava Teresa desarmada, toalha no ombro, descalço e toda aquela beleza natural da estátua grega. Não conseguia tirar os olhos da pequena mancha de pelos que pareciam ter sido desenhados no tronco musculado, seria possível que alguém fosse tão bonito? Como conseguiam alguns homens manter aqueles físicos sem aparente esforço? A médica dentro de si podia explicar-lhe o funcionamento do metabolismo masculino na juventude, mas Teresa recusava-se a racionalizar o que via.
- Então? Passa-se alguma coisa? – perguntou ao estranhar o silêncio prolongado que Teresa mantinha.
- Não, está tudo bem, estava com um pouco de vergonha de aparecer de bikini. – confessou.
- Disparate, estás linda. – deu-lhe a mão e encaminharam-se para a piscina.
A ansiedade era palpável em Teresa, milhares de sensações passavam-lhe pelo coração enquanto retirava o lenço que a cobria e se dirigia à piscina, desejo, vergonha, angústia, excitação. Mergulhou rapidamente para ficar exposta o menos possível, escondendo a fonte da sua insegurança na água. A temperatura era maravilhosa e acalmou-a automaticamente, revigorando-lhe os sentidos, como um tónico calmante. Manuel imitou-a, dando um mergulho profissional e deslocou-se debaixo de água até bem perto dela, como um sereio descontraído com a falta de oxigénio. A capacidade pulmonar dele era acima do normal, constatava Teresa que não se sentia propriamente à vontade com a ideia de ficar submersa tanto tempo. 
Manuel surgiu à sua frente, colado ao seu corpo, deslizando suavemente até ficar de pé, provocando-lhe um arrepio no baixo-ventre. Pressionou-a contra a parede da piscina, olhando-a nos olhos, encostou todas as suas formas perfeitas a ela, em desafio, e beijou-a com desejo. Teresa sentiu todo o seu corpo reagir em êxtase, esquecendo-se automaticamente de todas as imperfeições que a tinham preocupado. Recuperou dificilmente daquele transe apaixonado, sem vontade de ser trazida de novo para a realidade, era tão fácil beijá-lo, tão fresco e quente ao mesmo tempo, tão suave e intenso.
- Adoro a tua boca. – disse Manuel, beijando-a suavemente.
- A tua também não é má de todo. – brincou Teresa, beijando-o de volta.
- Ai sim? – encaminhou-se para as escadas da piscina com ela pendurada nas suas ancas, elevou-se facilmente da água e dirigiu-se ao seu quarto, sem a colocar no chão. – Agora vou despir-me para tu me veres melhor, há bocado não estava no meu melhor ângulo. – disse provocadoramente, sorrindo. 
Se aquele toureiro agourento tivesse razão, estava perdida, pensava derrotada em cima da cama, enquanto Manuel beijava os seus restos mortais. Não havia músculo do seu corpo que não tivesse estremecido violentamente quando ele a elevou a um orgasmo monumental, pela primeira vez na sua vida. Já tinha experimentado aquela reação física, mas nunca tinha aquela força nem se estendia por tanto tempo, e quase sempre era seguida de uma sensação de angústia que não sabia explicar. Pensara a dada altura que seria anormal, ou então todas as amigas mentiam, simplesmente, nunca dera por si a arreganhar cabelos, nem a gritar descontrolada, como lhe relatavam em confidências que a deixavam bastante desconfortável. 
Com Manuel tudo fazia sentido, os seus corpos gostavam de se enroscar, mexiam-se com sabedoria um no outro, como se dançassem ao som de uma música, sem paragens, nem constrangimentos.
A cadência dos beijos de Manuel cegavam-na novamente e perdia a noção do espaço e do tempo, ficando à sua mercê. Não aguentaria aqueles níveis de prazer durante dois dias, pensava em rasgos de lucidez que a atingiam momentaneamente. Se todos os casais experimentassem aquele tipo de sexo, não haveria divórcios, pensava, estupefacta.
- Diz-me para parar, senão não sais desta cama durante todo o fim-de-semana. – Manuel sentia-se exatamente da mesma forma que Teresa, extasiado com a reação que ela provocava no seu corpo. Tinha tido várias mulheres enquanto vivera em Coimbra, mas nenhuma delas o enfeitiçara como Teresa. Temia pela sua sanidade mental cada vez que a beijava, era como uma droga viciante. 
Adormeceram depois de caírem de cansaço, inebriados um com o outro, já a noite ia a meio, passando várias horas de intensos arrebatamentos físicos intervalados com confissões apaixonadas que surpreenderam Manuel, que se rendia à evidência de estar perdido por Teresa. 


- Manuel, o telefone está a tocar… - Teresa ouvia o toque há alguns minutos, parava e recomeçava, insistentemente, mas não conseguia mover-se com ele parcialmente deitado sobre o seu corpo. Dormia profundamente, sem reação, como se estivesse desmaiado, sem sentidos, não dava sinais de querer acordar e Teresa teve de o empurrar com força para se libertar daquela estátua magnífica que a envolvia com os seus membros quentes.
Procurou pelo aparelho que não se calava, remexendo em roupas e almofadas espalhadas pelo quarto, até o encontrar num bolso das calças de Manuel. Não foi a tempo de atender, quando este se calou repentinamente, mas vislumbrou o nome do contacto que já tentara fazer a ligação mais uma dezena de vezes, só naquela manhã. Sofia… o seu estômago revirou-se e subiu-lhe um calor desconfortável pelo esófago, comprimindo toda a traqueia até lhe dar um nó na garganta e deixar a língua seca. Sentiu dois braços quentes a envolverem-lhe a cintura, e uma boca sensual a falar-lhe ao ouvido,
- O que estás a fazer? Eu não te dei permissão para saíres debaixo de mim… - Manuel tinha uma voz sedutora, como um canto que a paralisava, mas Teresa não conseguia descontrair como das outras vezes, continuando semirrígida, com os pensamentos a darem mil voltas.
- Nada, o teu telefone esteve a tocar durante muito tempo e a Sofia acordou-me. – lançou irrefletidamente, como um tiro acidental, sem olhar o alvo nem medir a distância.
- Quem? – Manuel retirou-lhe o telefone das mãos, incomodado, e analisou o aparelho, retesando-se como se olhasse algo desagradável. – Ah, é a minha inquilina em Coimbra, uma chata. – desculpou-se cobardemente, omitindo a verdadeira identidade de Sofia. Não queria enganar Teresa, mas o medo de a perder por causa de um pormenor, como aquela relação chocha que mantinha em Coimbra por conta de Sofia não conseguir pagar um quarto e viver em casa dele por amizade, era demasiado grande, e mentiu, sem remorsos. Sofia seria tratada com respeito, já o decidira, gostava dela, era uma companhia agradável, uma amiga acima de tudo, e na semana seguinte conversaria com ela, esclarecendo tudo, pensou, tentando aliviar a sua culpa.
- Mas que inquilina tão insistente, - concluiu Teresa que ouvia as sirenes da desconfiança a apitar em todos os sentidos – bem, como já me acordou e deves ter de retribuir a chamada, vou preparar alguma coisa para comermos, estou esfomeada. – Libertou-se gentilmente dele, evitando olhar nos seus olhos. Deixou-o sentado à beira da cama, de telefone na mão e vestiu-se rapidamente, saindo do quarto para lhe dar privacidade, encostando a porta. Resistiu à tentação de ficar a ouvir a conversa, por medo de se desiludir com Manuel. As suas entranhas ordenaram-lhe que caminhasse até à cozinha, fizesse café, comesse qualquer coisa e se preparasse para mais um dia de prazer. Teresa obedeceu, afastando Sofia da herdade. Talvez se viesse a arrepender de dar ouvidos ao seu baixo-ventre, pensava. Por agora seria egoísta, decidiu, ligando o bico do fogão.


Sofia estranhara aquele silêncio prolongado durante dias, Manuel era um homem pouco dependente, que lhe dava algumas migalhas da sua atenção, mas não costumava ignorá-la. Sentia-se ansiosa e perdida, sem vontade de comer, angustiada com aquela separação repentina. Já decidira que o iria procurar a Safara se ele continuasse a não atender o telefone. Finalmente, depois de várias tentativas ele retribuiu a chamada, de forma seca e impessoal, o que a deixou com os nervos em franja. Prometeu-lhe ir a Coimbra na semana seguinte, mas não a convenceu, ali havia história, pensava, com uma raiva a crescer-lhe no peito. Estava decidida a lutar por ele, mais uma vez. Da primeira vez fora difícil fazer-se notar. Dia após dia na faculdade, usara todas as estratégias possíveis e imagináveis, mas aquele homem parecia ser inatingível. Ao fim de alguns meses a sorte sorriu-lhe e quando precisou de um amigo ele finalmente cedeu, abrindo-lhe as portas da sua casa para a alojar. Mentira descaradamente dizendo que ficara sem teto, chorara copiosamente no seu ombro e Manuel acreditou, como um bom cristão. Daí a seduzi-lo foi um ápice, tudo corria às mil maravilhas, até o destino lhe passar a perna e Manuel regressar ao Alentejo, para sempre. Para além de viver na casa dele, uma antiga vivenda que pertencia à família abastada do seu namorado, sentindo-se insegura quanto à possibilidade de ter de desocupar o espaço e não ter um local imediato para viver, era obcecada por Manuel. Onde iria encontrar outro homem rico e lindo, perguntava-se desesperada. 
Estava certa de que a visita dele nos próximos dias seria decisiva, precisava de se preparar convenientemente, estudar uma forma de reagir, sem ele é que não ficaria, disse a si mesma.


- Então é hoje que vamos dar umas cenouras ao teu cavalo preferido? – Manuel sentou-se à mesa que Teresa enchia de comida, freneticamente.
- Cavalo? – estremeceu voltando-se angustiada – pensei que este fosse um fim-de-semana romântico… - brincou, tentando escapar daquela ideia que lhe revolvia a barriga.
- Ah, mas andar a cavalo pode ser bastante sexy, acredita. – piscou-lhe o olho. Havia qualquer coisa no medo de Teresa que o excitava, para além de que adorava olhá-la quando ela metia os pés pelas mãos, corada. – Prometo que não te obrigo a montá-lo, só o fazes se quiseres. – tinha intenção de a enganar, pensava divertido com a ideia de a ver aos gritos em cima do animal.
- Não quero, obrigada. – as mãos começaram a suar-lhe, deixando escorregar a faca com que barrava o pão. – Por favor, não há nada que possamos fazer que não inclua bicharada? – perguntava submissa.
- Anda lá, só umas cenouras, o bicho vai ficar todo contente. – e eu também, dizia a si mesmo.
- Ok, só umas cenouras, mas sem abrir a porta do curral. – acedeu Teresa, pouco convencida. Era difícil negar fosse o que fosse a Manuel, ele comandava sem lhe dar hipótese, lamentava Teresa resignada.
- Boa! Vamos vestir-nos, calça umas botas de borracha que te sirvam, há ali muitas à entrada da cozinha. – saiu em direção ao quarto, como um garoto satisfeito, sorrindo de orelha a orelha com a ideia de a ver a galope pela herdade.
Teresa seguiu-o com o estômago apertado, dirigiu-se ao quarto de hóspedes, onde tinha a sua roupa, vestiu umas calças de fato de treino velhas que trouxera para servir de pijama se esfriasse, uma t-shirt qualquer e procurou as botas, como uma menina bem-educada. Aquele namoro ainda a ia matar do coração, lamentava-se de forma dramática.
O cheiro a fezes e palha revolvia-lhe a barriga, mas entrou relutantemente nas cavalariças com o saco das cenouras na mão, pedindo aos deuses que Manuel não a estivesse a tentar enganar e não tivesse mais planos que incluíssem animais de dois metros de altura. A ideia de o ver montar a cavalo até a animava, um homem daqueles ficaria sexy até a andar de triciclo, mas a dominar uma besta, seria irresistível, desde que à distância, num raio de segurança, pensava.
- Aqui está o teu eleito, o “Zeus”. – fez uma festa no focinho do cavalo, que se colocou numa posição favorável para os carinhos humanos. Era um belo animal, constatava Teresa, admirando aqueles dois espécimes tão parecidos. Lindos, musculosos, e perigosos… a queda de um cavalo daqueles seria dolorosa, pensava angustiada, mas Manuel era ainda mais assustador. Não se levantaria facilmente se ele a derrubasse, temia mesmo perder a capacidade de andar novamente, se algo corresse mal naquela viagem. Estava apaixonada pela primeira vez, lamentou, pensando na inquilina Sofia.
- Isso tudo é medo? – perguntou Manuel que suspeitava que o fim-de-semana tinha sido irremediavelmente perturbado com o telefonema de Sofia. Teresa não era parva, percebera a sua desorientação por ter sido apanhado de surpresa. Não havia volta a dar, teria de lhe contar o quanto antes para não piorar a situação.
- Podes dar tu as cenouras? Por favor? Acho que não tenho coragem para o deixar tocar-me com esses dentes enormes… - disse Teresa tentando desanuviar o ambiente entre os dois.
- Anda lá, este nunca comeu mãozinhas, não é hoje que vai começar. – rematou aliviado com a mudança de atitude em Teresa, que adotava novamente a postura amedrontada que o divertia.
Manuel pegou-lhe na mão, colocou um pedaço de cenoura na sua palma aberta e ajudou-a a chegar-se ao cavalo, que sugou gentilmente o “doce”, fazendo-lhe cócegas com a sua pele áspera.
- Ah, até foi fácil! – exclamou Teresa surpreendida com a textura da boca do animal. – Dá cá outra cenoura, agora consigo fazer isto sozinha! – disse decidida.
Manuel obedeceu, orgulhoso com os rápidos progressos de Teresa, dando-lhe o saco com as iguarias para as mãos e deixando-a sozinha a conhecer mais intimamente o meigo “Zeus”. 
- Fica aí a confraternizar que vou buscar uma cabeçada para ele. Acho que vais gostar de o ver em ação! – sorriu e dirigiu-se aos cabides onde estavam alinhados diversos materiais equinos.
- Não te afastes! Ainda não confio muito nestes olhos! – havia uma sólida porta de madeira a separá-la do cavalo, mas a ausência de Manuel deixava-a ansiosa.
- Calma, os cavalos só mordem se estiverem com as orelhas em pé! – gozou, aquela piada era um clássico que se aplicava aos medricas e resultava sempre, sem exceção, pensou divertido com a reação que se seguiria.
- Parvo, as orelhas deles estão sempre de pé! Deves pensar que sou burra! – Teresa olhou-o desagradada com aquela tentativa de a enervar, era medrosa, mas não admitiria insultos à sua inteligência.
- Desculpa, não te queria ofender, mas já agora, e não penses que estou novamente a gozar contigo, é melhor não ficares de costas voltadas para o cavalo, assim tão perto, ele tem um fetiche qualquer com orelhas humanas… - ainda não tinha terminado a frase, quando Teresa sentiu os lábios ásperos do cavalo a beliscarem-se a orelha esquerda, fazendo-a dar um salto em frente em direção aos braços de Manuel que a amparou, rindo descontrolado. – Eu avisei! O gajo é um tarado, ninguém conseguiu perceber até hoje onde é que ele foi apanhar esta mania! – disse Manuel com muito custo, soluçando de riso, enquanto Teresa o esmurrava frustrada com a humilhação.
- És um parvalhão! Para mim chega de cavalariças, vou nadar! – soltou-se e caminhou furiosa em direção à saída, saltando ocasionalmente de medo com os relinchares sonoros dos garanhões que reagiam à sua passagem.
- Vês? Eles todos te desejam! Não vás embora, agora ficaram ciumentos, também querem provar as tuas orelhas deliciosas! – suplicou Manuel, sozinho com os arreios do cavalo nas mãos. 
Teresa ficara chateada com a brincadeira, mas era irresistível não o fazer, pensava preocupado. Aquela mulher dominava-o inconscientemente, em todos os aspetos, menos ali, no meio dos “bichos”. A sua única vantagem junto dela era o medo irracional que Teresa tinha de animais, desde a inocente osga ao touro possante. Em tudo o resto sentia-se em desvantagem, vencido e cada vez mais desorientado.
Aparelhou o cavalo e saiu das cavalariças, montando-o agilmente, em direção à piscina para lhe pedir desculpa. Tinha um plano e seria infalível, pensou animado.
Teresa boiava calmamente no centro da piscina, sem notar a presença do cavaleiro que a admirava, quando abriu os olhos e os viu bem perto da água, dois pares de olhos concentrados nela, com a mesma expressão irónica, o que a perturbou ligeiramente. Como seria possível que o cavalo transmitisse o mesmo ar gozão de Manuel?, questionava-se incrédula.
- O “Zeus” e eu temos uma coisa para te dizer. – Manuel esforçava-se por se manter sério, aquele seria um momento solene e remediaria os estragos, se bem executado. Deu uma ordem ao cavalo que encolheu uma das patas, inclinando a cabeça de forma submissa e imitou-o, dobrando-se. – Querida Teresa, pedimos-te desculpa pelo nosso comportamento, por favor perdoa-nos, nós somos loucamente apaixonados por ti. Quer dizer, o “Zeus” só gosta das tuas orelhas, mas eu adoro tudo. – retomou a posição vertical, mantendo o cavalo em penitência, inclinado para ela, que o olhava sem reação. – Por favor, olha que ele está a sofrer, perdoa-me. – suplicou com sinceridade, preocupado com o silêncio de Teresa que não reagia com a rapidez com que seria de esperar.
- Ok, estás perdoado, agora leva daqui esse atrevido que ainda tenho a orelha a ferver. – brincou Teresa, impressionada com a cena, mas decidida a não dar parte de fraca. A Sofia ainda lhe fazia comichão, como uma borbulha de picada de melga que não mata, mas incomoda.
- Agora tenho um pedido a fazer-te, confias em mim? – Manuel esticou a mão, indicando-lhe que se aproximasse dos dois. – Sobe.
Teresa não conseguia resistir muito mais tempo ao charme sedutor de Manuel, que a olhava profundamente, como um hipnotizador sem escrúpulos, pensava, saindo lentamente da água em direção a ele, estranhamente confortável com a proximidade com o cavalo. 
Manuel mantinha o cavalo inclinado , em compasso de espera, e assim que Teresa se colocou perto o suficiente, içou-a para a sua frente, surpreendido com o voto de confiança que ela lhe dava. Endireitou o “Zeus” e caminhou lentamente a passo em direção aos campos, envolvendo-a com um dos braços livres, enquanto a beijava nos ombros, carinhosamente. Teresa descontraía, apreciando o seu primeiro passeio a cavalo, tão diferente do que imaginara que seria. Deixou-se guiar por Manuel, que os encaminhava por trilhos e recantos da herdade que ainda não conhecera, agarrada ao braço forte e quente que a protegia, surpreendida consigo mesma.
- Preciso de te contar uma coisa. – disse Manuel a medo.
- Quem é a Sofia? – lançou Teresa, certa de que a inquilina tinha algo a ver.
- É.. era a minha namorada, em Coimbra. – confessou Manuel, grato por Teresa estar de costas para ele e não o olhar. – Quando cheguei a Safara era a minha namorada, estava decidido a voltar para ela. Depois tu apareceste, passaste de vestido pela esplanada do café… acho que fiquei apaixonado por ti naquele momento. Não queria aproximar-me demasiado, com medo de que nunca mais quisesse sair do Alentejo, mas o meu pai teve aquele problema… Fomos a Moura, eu queria agarrar-te e não podia, não imaginas como vinhas sexy, zangada comigo a olhar para a janela. – continuava a confissão sem interrupções – O destino estava constantemente a lançar-me para perto de ti, vieste jantar connosco cá a casa, e a tua entrada na herdade naquele dia foi a confirmação do que eu já suspeitava. Estava caidinho por ti, sem salvação. Quando me pediste para te levar a Espanha errei em aceitar, porque já sabia que se avançasses, nem que fosse um milímetro, não seria capaz de resistir, iria trair a Sofia, e enganar-te. Desculpa, não devia ter omitido isto tanto tempo. Quando me apercebi do que estava a fazer quis resolver as coisas com ela, mas ela não atendia o telefone. Já tinha decidido que iria a Coimbra para a semana, para conversar com ela, mas tive receio de te contar. Desculpa, não te quis enganar, acredita em mim. – suplicou Manuel, beijando-lhe a cabeça, receoso do que ela estaria a sentir.
Teresa suspirou de alívio, Manuel estava a ser sincero e por iniciativa própria. Sabia que toda aquela confusão fora de certa maneira provocada por ela e a sua intolerância ao álcool que a levou a descontrair ao ponto de se “oferecer” na discoteca. Sentia-se no entanto feliz com a honestidade dele, e exultante por se saber tão desejada, bendita a hora em que comprara a bicicleta e passara de vestido pelo café, dizia a si mesma, divertida. Resolveu perdoar-lhe convenientemente e usou de toda a sua elasticidade e equilíbrio para se virar de frente para ele, que ficou de boca aberta com aquelas manobras corajosas, e beijou-o com devoção, selando ali aquela história sofiónica. A partir daquele momento Manuel era só seu.
O cavalo estacou e os dois desceram, Manuel retirou a t-shirt e colocou-a por cima de umas ervas revoltas, criando um pedaço de chão suave para se sentarem. Protegidos por um sobreiro centenário, e observados por “Zeus” curioso, beijavam-se como se fosse a primeira vez, sem noção do tempo e do espaço, quando Teresa sentiu a boca áspera do cavalo na sua orelha, o que a fez soltar um grito abafado e trepar por Manuel acima, descontrolada. 
- Caramba, já começo a ficar com ciúmes deste cavalo!! – disse Manuel que aguentava o riso para não a ofender novamente. Levantou-se e prendeu as rédeas a outra árvore, voltando para junto de Teresa que limpava a orelha com a t-shirt, ainda assustada. – Posso rir-me? Por favor? – suplicou divertido.
- Vá, ri-te lá, mas ri-te tudo de uma vez porque quero retomar a nossa conversa que foi violentamente interrompida pelo meu admirador de quatro patas. – disse divertida, puxando-o para o chão, e deitando-se sobre ele que a abraçou, rindo satisfeito.

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(imagem, internet)

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