Levantou-se com o corpo dorido da posição em
que estivera nas últimas duas horas em frente ao computador a tentar
escrever meia dúzia de linhas, foi tomar um duche e preparar-se para
sair. Ficar ali era demasiado deprimente, solitário e doentio. A
teoria já a sabia, era preciso lutar contra ela, não se deixar
ficar a remoer na famosa maleita invisível, sugadora de ânimo,
energia, alegria de viver, mas que ironicamente engrossava os bolsos
a muitos profissionais e sectores, e João era um deles. O que seria
de um Psiquiatra sem a Depressão? Um médico sem doentes com o
gabinete às moscas.
Engoliu um dos mágicos comprimidos da alegria
instantânea e enfiou-se no duche. Naquela noite iria até ao Bar de
um amigo de faculdade que em boa hora trocara os “doidos pelos
noctívagos”, como gostava de se gabar quando conversavam.
Chamara-lhe o “Pírulas”, uma piada que nem todos atingiam, mas
um nome que ficava no ouvido, servindo de marketing perfeito para
quem queria beber uns copos e arranjar distracção do sexo oposto de
algum nível. Por ali só andavam tipas da Universidade ou já
doutoras, muito ou pouco desesperadas, normalmente sem grandes
interesses em romances eternos, como lhe convinha.
Entrou irradiando confiança e boa disposição,
como sempre se apresentava em público, largando charme por todas as
mesas e pequenos grupos de conhecidas que o bajulavam sem pudores.
Era o protótipo do homem das comédias românticas que as raparigas
viam desde a adolescência - sexy, educado, bem na vida, disponível
e com uma história triste para contar. Não utilizava a sua condição
de viúvo para engatar ninguém, mas por ali tudo se sabia, e o mito
urbano crescia, sendo difícil não usufruir das suas vantagens
físicas. Se queriam tentar a sua sorte e convencerem-se de que o
iriam curar do seu desgosto, quem era ele para lhes negar essa
tentativa? Estava certo de que não seria tão linear ou simples como
nos filmes, o romantismo cego não fazia parte da sua personalidade,
e a antiga disponibilidade para amar alguém tinha sido substituída
há muito tempo pelo cinismo calculista masculino, na pior acepção
do conceito. Nem sempre lhe apetecia levar alguém a casa ao final da
noite, mas naquele dia sentia-se especialmente motivado. Precisava de
desanuviar a cabeça.
- Olá Dr! – cumprimentou-o Salvador, o
proprietário do Bar e amigo de longa data.
- Então Salvador, tudo bem? Um fino, faz
favor. – respondeu dando-lhe um aperto de mão sentido, enquanto se
acomodava no banco alto junto ao balcão, a analisar o espaço com o
olhar científico e decidido.
- Ontem houve aqui uma bronca… - lamentou-se
o amigo colocando a bebida junto de João e inclinando-se para
reservar a conversa apenas aos dois – Um tipo entrou aqui, já
quase de dia, estávamos mesmo a acabar de limpar. Eu estava lá em
cima a contar o dinheiro e a meter no saco para levar ao banco,
quando ouvi uns barulhos de copos a partir. “Ó que merda”,
pensei. Isto da noite é tudo muito lindo e divertido, mas temos de
aturar cada boi! – explicava ainda chateado com o assunto –
Estava todo lixado, drogas, de certeza, queria ir cagar! Vê tu bem!
– exclamou furioso – Vá lá cagar na casa dele! Dei-lhe duas
lambadas e ali o Janota resolveu o resto do problema. – acenou em
direcção ao segurança sorridente. Era dos poucos que trabalhavam
na área dos murros e dos socos e mantinha um ar feliz, constatava
João, bastava-lhe o seu físico assustador para manter a ordem.
- Tu és demais... – confessou João
divertido com as histórias sempre cómicas de Salvador – Se o
homem vinha entalado, deixava-lo ir resolver o problema.
- Nem penses! Deixava-o uma vez, e depois?
Vinha para aqui cagar todos os dias! – disse inflamado – Espera,
tenho de ir ali servir aqueles tipos. Já volto. – afastou-se para
atender outros clientes que já o olhavam de lado à espera das suas
bebidas e João voltou-se novamente para a frente, retomando a sua
análise feminina. Ainda não tinha concluído o scanner a todo o
espaço quando uma loira generosa em atributos lhe sorriu e piscou o
olho.
Salvador voltara nesse instante e recomeçava
as suas lamúrias de gerente de bar nocturno quando João se levantou
avançando em direcção à rapariga e o deixou a falar sozinho.
- Ah, ok, vai lá, vai lá, meu menino. Depois
deixa-a infeliz e carente que só assim é que elas me dão hipótese.
– gozou em voz alta.
Sempre que a via sentia-se assim, parvinho
de todo, sem saber como lhe dizer todas aquelas coisas inteligentes
que pensara no dia anterior. Era impossível ser natural e
descontraído quando ela estava por perto, lamentava-se. Naquele dia
combinaram ir beber um café ao Samambaia, sentaram-se um em frente
ao outro, pediram café, depois água, um bolo, uma torrada, dois
finos, tremoços, e acabaram a tarde a serem repreendidos pelo
empregado de mesa para pararem com os beijos, havia clientes
incomodados. Invejosos, dissera ela divertida.
- Desculpa, o que é que disseste? –
apercebeu-se de que se perdia nas memórias quando a rapariga…
Célia? Amélia? Cornélia?, o abanou com cara de ofendida.
- Queres ir dançar? – repetiu pela quarta
vez.
- Sim, claro. – poisaram as bebidas numa mesa
e João enlaçou-lhe a cintura, levando-a até à pista e fazendo os
possíveis para remediar aquele começo já meio inquinado. –
Desculpa, estava a pensar onde gostava de te levar hoje, quando
sairmos daqui. – inventou à pressão, fazendo olhos de carneiro
mal morto.
- Vamos a algum lado, mais logo? – perguntou
satisfeita.
- Sim, mas é surpresa! – beijou-a
repentinamente, já não tinha mais nada para lhe dizer e ela
mostrava-se bem contente com a ideia.
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(imagem, internet)
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