Chegaram
à margem do rio, e Marta estacionou o jipe contrariada. Já não
tinha ficado especialmente satisfeita com a sugestão de que seria
melhor vestir fato de banho e roupa fresca, mas concordara porque só
entraria dentro de água se lhe apetecesse. Mas o que via ao longe
era bem diferente do que tinha imaginado, e muito pior. Várias
canoas coloridas estavam dispostas na areia, à espera dos canoistas,
e João não lhe confirmava nem que sim nem que não, mantendo-se
irritantemente a sorrir satisfeito.
-
Ou me dizes o que aqui viemos fazer, ou não saio do carro. –
ameaçou, sentindo as mãos a suar ligeiramente.
-
Mas onde está a mulher corajosa e bem resolvida que ainda há bocado
se recusou a deixar-me guiar? – gozou, saindo do carro e abrindo a
porta a Filipe, que saltou animado para o chão, cheirando tudo em
volta furiosamente, a reconhecer o local e a tirar as suas próprias
conclusões canídeas, ignorando o casal.
-
Não saio. – disse Marta, ainda agarrada ao volante e de cinto
posto.
-
Que disparate. – João tirou-lhe o cinto, a chave da ignição e
puxou-a para fora do jipe, colocando os chapéus na cabeça de ambos
e trancando o veículo. – Vamos, vais adorar. – deu-lhe a mão e
surpreendeu-se ao notar que estava gelada, o que indicava medo.
-
Não quero fazer isto… - suplicou, sendo puxada em direção às
canoas.
-
Marta, por favor. Se isto fosse perigoso não o fazíamos. Vamos
falar com o sr da empresa. Anda! – deu-lhe mais um puxão vigoroso,
sem perder a convicção dos seus planos. Queria muito deslizar pelo
rio abaixo a admirá-la na frente da canoa, e com um bocado de sorte,
com a roupa toda colada da água que eventualmente a molhasse.
-
E o Filipe? Não o podemos deixar no carro ao sol, todo o dia… -
argumentou, na esperança de que fosse proibido levar o cão e assim
ela se escapasse à provação náutica.
-
Já liguei hoje cedo a perguntar, ele vai no meio de nós os dois. –
respondeu prontamente, dando-lhe um abraço por cima do ombro,
encorajando-a.
-
Depois eu é que sou controladora… - rosnou entre dentes,
empurrando-o e libertando-se do seu braço confortável.
-
Bom dia! – dirigiu-se João ao casal moreno e de aspeto tonificado
que começava a preparar a viagem. – Telefonei hoje cedo, João
Marques.- cumprimentou-os, apresentando depois Marta e Filipe. –
Podemos ir andando? Já o fiz várias vezes, só precisávamos dos
coletes.
Marta
resistiu até ao limite do que seria possível, tentando não fazer
figuras ridículas em frente a estranhos, aceitando o colete, de
trombas, no meio de um som de descontentamento, enquanto João
convencia Filipe a entrar na pequena embarcação.
-
Vamos! Só faltas tu! – ralhou sorridente.
Marta
remeteu-se ao silêncio, entrando relutantemente, a tremer, com
vontade de o insultar e ou beijar, tal era a energia que lhe
transmitia, todo sexy, descontraído e seguro de si, com aqueles
óculos de sol caríssimos que o tornavam ainda mais bonito. Ficou
ligeiramente desiludida ao perceber que iria a viagem toda de costas
para aquela visão tão agradável, a olhar para o rio, as árvores,
e o seu medo de cair na água sem pé, onde viveriam milhares de
cobras, peixes horríveis e lixarada.
- Não vou remar! Ficas já avisado! - ralhou amuada.
- Eu ainda sou o homem desta embarcação! Podes relaxar e aproveitar o passeio. - respondeu satisfeito com a cedência dela, mesmo que contrariada.
João
sossegou o cão, dando-lhe uma massagem rápida e começou a remar
suavemente, sentindo-se mais feliz que nunca, com a visão dela e das
suas costas, rabo, ombros, braços, cabelo. Admirava todas as suas
proporções quando se apercebeu do olhar de censura e espanto do
cão, que o fez soltar uma gargalhada.
-
Estás-te a rir de quê, pode-se saber? – perguntou, voltando-se
demasiado rápido, o que destabilizou o movimento da canoa, ao ponto
de os balançar perigosamente de um lado para o outro. – AAAHH!
Socorro, João, pára isto! – gritou, quebrando o silêncio da
natureza que os envolvia.
-
Pára quieta que isto já acalma. Não podes virar-te assim de
repente! – ralhou, pousando o remo e acalmando o cão que se
levantou nervoso com os balanços.
-
Nem um encosto para as costas… - reclamou – Quanto tempo demora a
viagem?
-
Podes encostar-te a mim, se quiseres… - provocou, satisfeito.
-
Querias! – bufou, pensando que bom seria ir recostada nele, rio
abaixo, o que lhe aumentou progressivamente a neura, juntamente com a
posição desconfortável, o calor abrasador que já se começava a
sentir, o facto de ser “lésbica”, querer deixar de o ser, mas a
razão não deixava.
-
Desculpa, estava a brincar… - disse João preocupado com o silêncio
nada característico da sua companhia. Por vezes esquecia-se de que a
poderia ofender quando brincava, mas não queria perder aquela amiga.
– A sério, estava a brincar. Viste as pernas daquela tipa? –
perguntou, para desanuviar o ambiente.
-
Quem? – perguntou confusa.
-
A das canoas. – esclareceu-a – Que pernas fantásticas!
-
Pff… - respondeu com escárnio – demasiado musculadas!
-
Ah, gostas assim do tipo mais delgado. – comentou curioso.
-
Sim, acho que sim… - engoliu um ardor na garganta por conta daquela
conversa ridícula. Gosto mesmo é das tuas, mas ok..., pensava
infeliz, a olhar os dedos da sua mão que roçavam suavemente na água
fresca. – E tu? Como gostas? – decidiu aproveitar a sua condição
de intocável para tirar nabos
da púcara.
-
Eu?... bem, de vários tipos. – ficou pensativo a remoer na questão
– Quer dizer, acho que umas pernas bonitas podem ser quaisquer
umas. Por exemplo, as da mulher das canoas são Boas! – e encheu a
boca para dizer a última palavra. – Mas bonitas, bonitas… isso é
mais difícil de encontrar. – gostava muito das pernas de Marta, do
pouco que já tinha conseguido observar, mas não o disse, para não
a constranger ainda mais.
-
Está a ficar um calor insuportável… - queixou-se, sentindo a pele
exposta ao sol a queimar.
-
Vai-te molhando, sempre refrescas. – e assim que deu azo à sua
imaginação que envolvia um corpo de mulher com roupa colada, Filipe
olhou-o duramente, provocando-lhe outra gargalhada.
-
Acho que vou tirar a roupa. Não aguento isto tudo vestido. Podes
abrandar a canoa? – pediu-lhe, levantando-se ligeiramente, de modo
a puxar a saia pelas pernas. Retirou depois a camisola e sentiu-se
ligeiramente observada, quando puxou a mochila para arrumar a roupa.
Não conseguia tirar a limpo, porque os óculos escuros de João não
deixavam perceber para onde ele olhava, mas notou um certo rubor nas
suas bochechas, o que a fez sentir-se maravilhosa e satisfeita, ao
ponto de se esticar um pouco na provocação. Prendeu os cabelos
desajeitadamente no alto da cabeça, e iniciou um banho sensual,
chapinhando-se com calma. – Que maravilha! – disse, sorrindo de
orelha a orelha, gozando do seu poder feminino, quando a canoa
embateu num tronco da margem e os virou aos três repentinamente para
a água.
João
ajudou-os a entrar novamente na pequena embarcação, recolheu as
coisas espalhadas pela água e subiu sem dizer uma única palavra.
Ficara paralisado a olhá-la e sentia-se ridículo ao ter deixado a
canoa completamente desgovernada.
-
Completamente seguro, heim? – perguntou a sorrir-lhe de costas, já
recuperada do susto, mas satisfeita com o efeito que provocara nele.
-
Distraí-me, não volta a acontecer. – justificou-se, mais
recomposto do súbito banho fresco que lhe acalmou o físico.
-
Agora ficámos com as sandes todas molhadas… - reclamou com a voz
afetada.
-
Não paramos no sítio do almoço, assim acabamos mais depressa a
volta e vamos almoçar noutro local. – sugeriu, já consumido com a
ideia de a ver semi-nua durante muito mais tempo.
-
Ok. – olhou para trás para visualizar o que tinha em mente, e
conseguiu arranjar uma posição mais descontraída, pousando a
cabeça no cão e esticando as pernas, ficando com os pés na água.
– Obrigada Filipe, assim apanho um bocadinho de sol. – disse ao
cão, afagando-o com uma mão, agradecida pelo encosto.
Merda…
pensou, ao vê-la por
inteiro, deitada à sua frente. Tirou o boné, mergulhou-o dentro de
água, e trouxe-o repentinamente para a cabeça, refrescando-se.
-
Ei! – reclamou Marta, que apanhou com algumas pingas na cara.
-
Desculpa.
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(imagem, internet)
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