sexta-feira, 27 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 6 (3ª parte)




      Chegaram à margem do rio, e Marta estacionou o jipe contrariada. Já não tinha ficado especialmente satisfeita com a sugestão de que seria melhor vestir fato de banho e roupa fresca, mas concordara porque só entraria dentro de água se lhe apetecesse. Mas o que via ao longe era bem diferente do que tinha imaginado, e muito pior. Várias canoas coloridas estavam dispostas na areia, à espera dos canoistas, e João não lhe confirmava nem que sim nem que não, mantendo-se irritantemente a sorrir satisfeito.
      - Ou me dizes o que aqui viemos fazer, ou não saio do carro. – ameaçou, sentindo as mãos a suar ligeiramente.
      - Mas onde está a mulher corajosa e bem resolvida que ainda há bocado se recusou a deixar-me guiar? – gozou, saindo do carro e abrindo a porta a Filipe, que saltou animado para o chão, cheirando tudo em volta furiosamente, a reconhecer o local e a tirar as suas próprias conclusões canídeas, ignorando o casal.
       - Não saio. – disse Marta, ainda agarrada ao volante e de cinto posto.
      - Que disparate. – João tirou-lhe o cinto, a chave da ignição e puxou-a para fora do jipe, colocando os chapéus na cabeça de ambos e trancando o veículo. – Vamos, vais adorar. – deu-lhe a mão e surpreendeu-se ao notar que estava gelada, o que indicava medo.
       - Não quero fazer isto… - suplicou, sendo puxada em direção às canoas.
    - Marta, por favor. Se isto fosse perigoso não o fazíamos. Vamos falar com o sr da empresa. Anda! – deu-lhe mais um puxão vigoroso, sem perder a convicção dos seus planos. Queria muito deslizar pelo rio abaixo a admirá-la na frente da canoa, e com um bocado de sorte, com a roupa toda colada da água que eventualmente a molhasse.
    - E o Filipe? Não o podemos deixar no carro ao sol, todo o dia… - argumentou, na esperança de que fosse proibido levar o cão e assim ela se escapasse à provação náutica.
     - Já liguei hoje cedo a perguntar, ele vai no meio de nós os dois. – respondeu prontamente, dando-lhe um abraço por cima do ombro, encorajando-a.
     - Depois eu é que sou controladora… - rosnou entre dentes, empurrando-o e libertando-se do seu braço confortável.
    - Bom dia! – dirigiu-se João ao casal moreno e de aspeto tonificado que começava a preparar a viagem. – Telefonei hoje cedo, João Marques.- cumprimentou-os, apresentando depois Marta e Filipe. – Podemos ir andando? Já o fiz várias vezes, só precisávamos dos coletes.
    Marta resistiu até ao limite do que seria possível, tentando não fazer figuras ridículas em frente a estranhos, aceitando o colete, de trombas, no meio de um som de descontentamento, enquanto João convencia Filipe a entrar na pequena embarcação.
     - Vamos! Só faltas tu! – ralhou sorridente.
Marta remeteu-se ao silêncio, entrando relutantemente, a tremer, com vontade de o insultar e ou beijar, tal era a energia que lhe transmitia, todo sexy, descontraído e seguro de si, com aqueles óculos de sol caríssimos que o tornavam ainda mais bonito. Ficou ligeiramente desiludida ao perceber que iria a viagem toda de costas para aquela visão tão agradável, a olhar para o rio, as árvores, e o seu medo de cair na água sem pé, onde viveriam milhares de cobras, peixes horríveis e lixarada.
      - Não vou remar! Ficas já avisado! - ralhou amuada.
      - Eu ainda sou o homem desta embarcação! Podes relaxar e aproveitar o passeio. - respondeu satisfeito com a cedência dela, mesmo que contrariada.
    João sossegou o cão, dando-lhe uma massagem rápida e começou a remar suavemente, sentindo-se mais feliz que nunca, com a visão dela e das suas costas, rabo, ombros, braços, cabelo. Admirava todas as suas proporções quando se apercebeu do olhar de censura e espanto do cão, que o fez soltar uma gargalhada.
    - Estás-te a rir de quê, pode-se saber? – perguntou, voltando-se demasiado rápido, o que destabilizou o movimento da canoa, ao ponto de os balançar perigosamente de um lado para o outro. – AAAHH! Socorro, João, pára isto! – gritou, quebrando o silêncio da natureza que os envolvia.
     - Pára quieta que isto já acalma. Não podes virar-te assim de repente! – ralhou, pousando o remo e acalmando o cão que se levantou nervoso com os balanços.
     - Nem um encosto para as costas… - reclamou – Quanto tempo demora a viagem?
     - Podes encostar-te a mim, se quiseres… - provocou, satisfeito.
   - Querias! – bufou, pensando que bom seria ir recostada nele, rio abaixo, o que lhe aumentou progressivamente a neura, juntamente com a posição desconfortável, o calor abrasador que já se começava a sentir, o facto de ser “lésbica”, querer deixar de o ser, mas a razão não deixava.
     - Desculpa, estava a brincar… - disse João preocupado com o silêncio nada característico da sua companhia. Por vezes esquecia-se de que a poderia ofender quando brincava, mas não queria perder aquela amiga. – A sério, estava a brincar. Viste as pernas daquela tipa? – perguntou, para desanuviar o ambiente.
     - Quem? – perguntou confusa.
     - A das canoas. – esclareceu-a – Que pernas fantásticas!
     - Pff… - respondeu com escárnio – demasiado musculadas!
     - Ah, gostas assim do tipo mais delgado. – comentou curioso.
    - Sim, acho que sim… - engoliu um ardor na garganta por conta daquela conversa ridícula. Gosto mesmo é das tuas, mas ok..., pensava infeliz, a olhar os dedos da sua mão que roçavam suavemente na água fresca. – E tu? Como gostas? – decidiu aproveitar a sua condição de intocável para tirar nabos da púcara.
     - Eu?... bem, de vários tipos. – ficou pensativo a remoer na questão – Quer dizer, acho que umas pernas bonitas podem ser quaisquer umas. Por exemplo, as da mulher das canoas são Boas! – e encheu a boca para dizer a última palavra. – Mas bonitas, bonitas… isso é mais difícil de encontrar. – gostava muito das pernas de Marta, do pouco que já tinha conseguido observar, mas não o disse, para não a constranger ainda mais.
    - Está a ficar um calor insuportável… - queixou-se, sentindo a pele exposta ao sol a queimar.
     - Vai-te molhando, sempre refrescas. – e assim que deu azo à sua imaginação que envolvia um corpo de mulher com roupa colada, Filipe olhou-o duramente, provocando-lhe outra gargalhada.
     - Acho que vou tirar a roupa. Não aguento isto tudo vestido. Podes abrandar a canoa? – pediu-lhe, levantando-se ligeiramente, de modo a puxar a saia pelas pernas. Retirou depois a camisola e sentiu-se ligeiramente observada, quando puxou a mochila para arrumar a roupa. Não conseguia tirar a limpo, porque os óculos escuros de João não deixavam perceber para onde ele olhava, mas notou um certo rubor nas suas bochechas, o que a fez sentir-se maravilhosa e satisfeita, ao ponto de se esticar um pouco na provocação. Prendeu os cabelos desajeitadamente no alto da cabeça, e iniciou um banho sensual, chapinhando-se com calma. – Que maravilha! – disse, sorrindo de orelha a orelha, gozando do seu poder feminino, quando a canoa embateu num tronco da margem e os virou aos três repentinamente para a água.
    João ajudou-os a entrar novamente na pequena embarcação, recolheu as coisas espalhadas pela água e subiu sem dizer uma única palavra. Ficara paralisado a olhá-la e sentia-se ridículo ao ter deixado a canoa completamente desgovernada.
      - Completamente seguro, heim? – perguntou a sorrir-lhe de costas, já recuperada do susto, mas satisfeita com o efeito que provocara nele.
      - Distraí-me, não volta a acontecer. – justificou-se, mais recomposto do súbito banho fresco que lhe acalmou o físico.
         - Agora ficámos com as sandes todas molhadas… - reclamou com a voz afetada.
      - Não paramos no sítio do almoço, assim acabamos mais depressa a volta e vamos almoçar noutro local. – sugeriu, já consumido com a ideia de a ver semi-nua durante muito mais tempo.
     - Ok. – olhou para trás para visualizar o que tinha em mente, e conseguiu arranjar uma posição mais descontraída, pousando a cabeça no cão e esticando as pernas, ficando com os pés na água. – Obrigada Filipe, assim apanho um bocadinho de sol. – disse ao cão, afagando-o com uma mão, agradecida pelo encosto.
     Merda… pensou, ao vê-la por inteiro, deitada à sua frente. Tirou o boné, mergulhou-o dentro de água, e trouxe-o repentinamente para a cabeça, refrescando-se.
      - Ei! – reclamou Marta, que apanhou com algumas pingas na cara.
      - Desculpa.


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