Assim que conseguiu, pôs a visita na
rua, chamando um táxi e oferecendo-se para pagar a corrida, da forma mais
delicada possível. Ela aceitou sem culpas e prometeu voltar, o que o incomodou
ligeiramente, mas entendeu como mentira piedosa. Sabia que tinha sido péssimo
na cama, sempre distraído e demasiado rápido. Honestamente, tinham sido os
piores trinta minutos de sexo da sua vida. Entrou na casa de banho e não
resistiu a tomar um comprimido da felicidade instantânea, antes de entrar no
duche, sentia-se ligeiramente enojado e deprimido. Ou andava a ficar velho para
aquelas atividades com desconhecidas, ou a depressão começava a afetar-lhe a
parte sexual, o que não era nada bom sinal, dizia-lhe o médico dentro de si.
Uma leve azia nasceu-lhe no fundo da garganta, e João escaldou-se até ao limite
do que a sua pele aguentava. Tinha de tirar aquele cheiro a perfume barato de
cima, senão não conseguiria dormir, e só voltaria a casa de Marta e ao seu
cadeirão fofo daí a três dias, tinha de descansar antes disso.
Arrancou os lençóis sujos da cama e
procurou durante bastante tempo por uns lavados, pois nunca precisara de fazer
uma cama de lavado na vida, encontrando-os no sítio
mais óbvio e colocando-os atrapalhadamente por cima do colchão. A Dona Rosário
iria ralhar com ele na manhã seguinte, mas se não tirasse os vestígios da Nélia
daquele quarto não conseguiria dormir. Pegou no livro, esticou-se na cama e
recomeçou a leitura da parte teórica, com a voz de Marta na sua cabeça como
narradora, o que lhe pareceu lógico, já que ela era a sua professora, e aquele
livro era dela. Adormeceu na página 10, com o conselho de uma alimentação leve
e saudável antes de qualquer prática física, evitando gorduras animais, de
difícil digestão.
- A Eduarda vai ser mãe. – comentou Isabel, animada com a
notícia de que a melhor amiga conseguira finalmente realizar o seu sonho de
engravidar, depois de alguns anos de dificuldade e sofrimento. – Ai sim?, que
bom. – disse sem sequer a olhar. Aquele tema surgia de tempos a tempos como uma
sombra a pairar sobre os dois, dissipando-se depois com as distrações do
dia-a-dia das suas carreiras absorventes. – João, podíamos pensar nisso também.
Não para já, que estás a iniciar o trabalho na Clínica e precisas de te dedicar
a isso, mas daqui a um, dois anos. – sugeriu Isabel a medo. Sabia que o marido
fugia do assunto, mostrando-se muito pouco interessado em ser pai, mas ela
adorava um dia engravidar, ser mãe, cuidar de um bebé, e se para isso, tivesse
que deixar a carreira, não pensaria duas vezes. – Isabel, ainda é cedo, e não
tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia. - tentou desculpar-se, sem
conseguir ser honesto com a mulher, que o olhara magoada. Depois da morte de
Filipe, o seu primeiro “filho”, não teria capacidade emocional para passar por
tudo de novo. A cara do irmão a desaparecer na água do rio ainda o assombrava
em algumas noites. Não, ser pai nunca.
Acordou a sentir-se asfixiar, suado e
completamente enrodilhado nos lençóis soltos, que o rodeavam como algas,
verdes, compridas e peganhentas. João olhava-os e não reconhecia neles simples
tecido, embarcava no seu delírio, sem se aperceber que já não dormia. Gritou
desesperado, lutando contra o que o apertava e limitava os movimentos,
quando conseguiu alcançar a luz da mesa de cabeceira e saiu da alucinação,
olhando o quarto espantado, com a respiração acelerada e o coração prestes a
sair-lhe do peito. Soltou-se dos panos, levantou-se e procurou na casa de banho
o comprimido de SOS, agarrando no édredon caído no chão e arrastando-se até à
sala. Sentou-se no sofá, embrulhado na colcha fofa e obrigou-se a respirar
ritmadamente, com a cabeça apoiada nas mãos. Ainda faltava bastante para nascer
o dia, lamentou-se angustiado. Pensou em telefonar para casa dela, mas
conseguiu resistir à tentação, seria uma loucura acordá-la a meio da noite para
lhe pedir que cantasse aquele mantra que
aprendera de tarde, e simplesmente não se conseguia recordar. Om shanti…
qualquer coisa. A letra era estranhíssima, mas a música agradara-lhe bastante,
especialmente cantado por ela. Teria de lhe pedir para a gravar a cantar, com a
desculpa de que aprenderia mais depressa. Aquilo era calmante, e ajudaria
bastante nas noites de pesadelos, concluía, esticando-se no sofá a imaginar os
cânticos da tarde.
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(imagem, internet)
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