sexta-feira, 20 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 5 (2ª parte)




Assim que conseguiu, pôs a visita na rua, chamando um táxi e oferecendo-se para pagar a corrida, da forma mais delicada possível. Ela aceitou sem culpas e prometeu voltar, o que o incomodou ligeiramente, mas entendeu como mentira piedosa. Sabia que tinha sido péssimo na cama, sempre distraído e demasiado rápido. Honestamente, tinham sido os piores trinta minutos de sexo da sua vida. Entrou na casa de banho e não resistiu a tomar um comprimido da felicidade instantânea, antes de entrar no duche, sentia-se ligeiramente enojado e deprimido. Ou andava a ficar velho para aquelas atividades com desconhecidas, ou a depressão começava a afetar-lhe a parte sexual, o que não era nada bom sinal, dizia-lhe o médico dentro de si. Uma leve azia nasceu-lhe no fundo da garganta, e João escaldou-se até ao limite do que a sua pele aguentava. Tinha de tirar aquele cheiro a perfume barato de cima, senão não conseguiria dormir, e só voltaria a casa de Marta e ao seu cadeirão fofo daí a três dias, tinha de descansar antes disso.
Arrancou os lençóis sujos da cama e procurou durante bastante tempo por uns lavados, pois nunca precisara de fazer uma cama de lavado na vida, encontrando-os no sítio mais óbvio e colocando-os atrapalhadamente por cima do colchão. A Dona Rosário iria ralhar com ele na manhã seguinte, mas se não tirasse os vestígios da Nélia daquele quarto não conseguiria dormir. Pegou no livro, esticou-se na cama e recomeçou a leitura da parte teórica, com a voz de Marta na sua cabeça como narradora, o que lhe pareceu lógico, já que ela era a sua professora, e aquele livro era dela. Adormeceu na página 10, com o conselho de uma alimentação leve e saudável antes de qualquer prática física, evitando gorduras animais, de difícil digestão.


- A Eduarda vai ser mãe. – comentou Isabel, animada com a notícia de que a melhor amiga conseguira finalmente realizar o seu sonho de engravidar, depois de alguns anos de dificuldade e sofrimento. – Ai sim?, que bom. – disse sem sequer a olhar. Aquele tema surgia de tempos a tempos como uma sombra a pairar sobre os dois, dissipando-se depois com as distrações do dia-a-dia das suas carreiras absorventes. – João, podíamos pensar nisso também. Não para já, que estás a iniciar o trabalho na Clínica e precisas de te dedicar a isso, mas daqui a um, dois anos. – sugeriu Isabel a medo. Sabia que o marido fugia do assunto, mostrando-se muito pouco interessado em ser pai, mas ela adorava um dia engravidar, ser mãe, cuidar de um bebé, e se para isso, tivesse que deixar a carreira, não pensaria duas vezes. – Isabel, ainda é cedo, e não tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia. - tentou desculpar-se, sem conseguir ser honesto com a mulher, que o olhara magoada. Depois da morte de Filipe, o seu primeiro “filho”, não teria capacidade emocional para passar por tudo de novo. A cara do irmão a desaparecer na água do rio ainda o assombrava em algumas noites. Não, ser pai nunca.

Acordou a sentir-se asfixiar, suado e completamente enrodilhado nos lençóis soltos, que o rodeavam como algas, verdes, compridas e peganhentas. João olhava-os e não reconhecia neles simples tecido, embarcava no seu delírio, sem se aperceber que já não dormia. Gritou desesperado, lutando contra o que o apertava e limitava os movimentos, quando conseguiu alcançar a luz da mesa de cabeceira e saiu da alucinação, olhando o quarto espantado, com a respiração acelerada e o coração prestes a sair-lhe do peito. Soltou-se dos panos, levantou-se e procurou na casa de banho o comprimido de SOS, agarrando no édredon caído no chão e arrastando-se até à sala. Sentou-se no sofá, embrulhado na colcha fofa e obrigou-se a respirar ritmadamente, com a cabeça apoiada nas mãos. Ainda faltava bastante para nascer o dia, lamentou-se angustiado. Pensou em telefonar para casa dela, mas conseguiu resistir à tentação, seria uma loucura acordá-la a meio da noite para lhe pedir que cantasse aquele mantra  que aprendera de tarde, e simplesmente não se conseguia recordar. Om shanti… qualquer coisa. A letra era estranhíssima, mas a música agradara-lhe bastante, especialmente cantado por ela. Teria de lhe pedir para a gravar a cantar, com a desculpa de que aprenderia mais depressa. Aquilo era calmante, e ajudaria bastante nas noites de pesadelos, concluía, esticando-se no sofá a imaginar os cânticos da tarde.


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