quarta-feira, 4 de abril de 2018

A Mala Vermelha - Prólogo





“Nada do que aprendera nas aulas da faculdade me fora útil antes, durante ou depois do cancro. O desgraçado invadiu-me a casa, revoltou tudo e decidiu levá-la, ficando um espaço vazio, ironicamente cheio de Isabel, e eu. Três anos de arrombamento forçado, sem nos dar hipótese de reagir. Demasiado rápido para nós, infinitamente lento para ela. Nada, mas mesmo nada do que alguma vez estudei me serviu ou ajudou, apenas me tornou mais fraco e susceptível, o elo mais fraco dos dois, a afogar-se dia após dia no seu próprio veneno….”

           - Foda-se…, não consigo fazer isto. – João fechou o portátil com força, batendo o ecrã no teclado e recuperando a respiração que se tornara rápida e ritmada, naquela espiral de loucura que o tornara a assombrar desde a morte de Isabel, fazia já quatro anos. O seu amigo e tutor de curso, o famoso psiquiatra da alta sociedade, Dr. César Nogueira, acompanhava-o desde que ele e a mulher receberam a notícia e pedira-lhe para escrever o que sentia sobre a doença, já era tempo de enfrentar o fantasma e avançar, dissera-lhe.
Estavam no auge da relação, a fazer planos e compras, quando a consulta de rotina se tornou no prenúncio do fim. As hipóteses eram boas, tudo estava a favor dos dois, a idade, o peso, os hábitos saudáveis. Deveriam manter-se confiantes, dizia a médica sorridente, a ciência avançava todos os dias mais um pouco no alcance da cura, “nada de desistir ou pensar negativamente”, tinha sido o seu conselho de despedida, antes de fechar a porta do gabinete.
Lembrava-se perfeitamente de ter relacionado aquele movimento da porta com o início da sua agonia. Desde aquele momento nunca mais dormira sem remédios e a sua vida virara um inferno.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

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