quinta-feira, 5 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 1 (2ª parte)






Depois de vários finos e danças escaldantes, João já perdera a noção das horas, sentindo o cansaço a apoderar-se dos seus membros. Uma consequência da falta de sono e dos remédios que deixara em casa e já lhe faziam falta no organismo. Tentava livrar-se dela educadamente, não conseguiria sair dali para lado nenhum, a não ser para a sua cama e dormir. Os músculos pediam-lhe descanso, mas a Nélia, conseguira finalmente decorar, era persistente e já bebera demais, o que dificultaria o problema. Tentou desesperadamente fazer contacto visual com Salvador, mas o amigo mantinha-se ocupado a trabalhar e parecia não perceber a angústia de João.

- Podes ir buscar-me outro fino? – pediu-lhe beijando-o – Tenho de ir à casa de banho, já volto! – saiu cambaleante em direcção aos wc, dando-lhe a hipótese de fugir cobardemente.
Pagava a sua conta apressado, quando a viu, a balouçar num ombro pequeno de uma hippie de saia até aos pés, que se mantinha de costas. A garganta secou-lhe automaticamente, o coração batia furioso e descontrolado e as mãos frouxas deixaram cair o troco que Salvador lhe entregara.
- Então, pá? Está-te a dar uma trombose, ou quê? – gozou Salvador.
- Quem é aquela? – perguntou furioso.
- Quem? – procurava Salvador com a cabeça, sem conseguir ver uma mulher que pudesse dar um enfarte a um homem.
- Aquela da mala vermelha! – exclamou demasiado nervoso.
- A Hippie? Sei lá. Mas agora gostas desse tipo? – questionou preocupado – Acho que é melhor reduzires a dose dos ansiolíticos. – brincou para desanuviar. Andava a ficar realmente preocupado com o vício de João pelas drogas que devia receitar aos outros, não engolir ele próprio desenfreadamente.
- Voltei! – guinchou a loira demasiado perto dos ouvidos de João, que se sobressaltou com o susto e foi agarrado possessivamente para mais um beijo escaldante.
- Com licença… - retirou-se Salvador de mansinho, regressando ao seu trabalho.
João tentava ver onde se tinha metido a Hippie, engolido pela excitada rapariga, mas sem sucesso. Já se sentia enojado com tanto fogo despropositado da loira, libertando-se à força, só depois de a repelir diversas vezes e a trazer de volta à realidade.
- Chega! – gritou-lhe, libertando-se e avançando em direcção ao local onde a vira. Procurou por todos os cantos do Bar, esperou à porta da casa de banho das mulheres durante algum tempo, na esperança de que estivesse lá dentro, mas nada. Tinha desaparecido. Arrastou-se para a rua, respirou fundo, onde estaria ela? A mala vermelha de Isabel…




Agora que já somos namorados oficialmente, temos de pensar num assunto de extrema importância, João! – disse muito séria, deixando-o alarmado. Sentou-se para a olhar melhor, ali deitada na relva de braços atrás da cabeça parecia-lhe a coisa mais bonita que já vira.
- Diz lá, então. – sorriu-lhe acendendo um cigarro.
- De que cor é que compro a minha mala? – continuou séria, a esforçar-se para não se rir – É que vamos andar sempre juntos, e preciso de saber qual a cor que vai ficar melhor com as tuas roupas!
- Estás a brincar, ou a falar a sério? – perguntou meio aparvalhado.
- Palerma! – disse-lhe rindo agarrada à barriga – Achas mesmo que ia querer combinar a carteira contigo? Adoro esta, só me separo dela quando uma de nós morrer! – profetizou, continuando a rir do ar apalermado com que João tinha ficado.


Precisava respirar ar puro, e depressa. Levantou-se da cama, já depois de ter tomado os comprimidos de SOS para os ataques de pânico, mas que ainda não tinham dado sinais de calmaria no seu organismo descontrolado. Embrulhou-se no edredon e sentou-se no chão da varanda, obrigando-se a respirar calma e compassadamente, de olhos fechados. Podia sentir o coração a martelar nas têmporas, e esforçava-se por tirar aquela imagem da cabeça. “Não era possível que aquela pessoa andasse com a mala dela… tinha-a deitado no lixo no ano passado, mas pensando melhor, os hippies eram estranhos o suficiente para aproveitarem um objecto do caixote do lixo… Pára!”, berrou a si mesmo em pensamentos. Encostou a cabeça ao vidro da porta da janela e cantou baixinho uma lenga lenga da sua avó, esforçando-se por se recordar da letra, até cair suavemente para o chão e adormecer sob o efeito dos calmantes.


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