- Queria dizer-te meia dúzia de
coisas. Já percebi que estás sozinho, ótimo. - avançou com
agressividade na sua direção e João afastou-se para o deixar
entrar, fechando a porta.
- Então, como vai a Marta? Tudo bem,
ou ela já ganhou juízo e já te deixou? - ironizou João que odiava
aquele segurança, a ponto de perder o bom senso e provocá-lo.
- A Marta não conheço, mas a Isabel
voltou para Castelo Branco. Pensei que soubesses. - sentou-se
descontraidamente no sofá, olhando-o com gozo.
João ficou baralhado com aquela
resposta, detestava aqueles enigmas parvos que não conseguia
entender. - Despacha-te, tenho que sair. Vieste aqui exatamente para
quê?
- Quero saber se depois daquele dia em
que estiveste de madrugada em casa dela tornaram a falar ou a ver-se.
- Não é da tua conta, mas não.
Nunca mais a vi, tentei ligar-lhe, mas o telemóvel está no voice
mail e o fixo ninguém atende. De vez em quando ainda tento ligar,
confesso. - sentou-se de frente para o homem enorme, com vontade de o
esmurrar, mas ligeiramente satisfeito por saber que ela o tinha
deixado.
- Sabes João, eu amo-a. - confessou –
Acho que nunca gostei tanto de uma mulher.
- Acho que não somos assim tão
amigos para me vires confessar essas merdas. - disse com rispidez.
Era só o que lhe faltava, ouvir declarações de amor daquele
troglodita pela mulher que o perseguia nos sonhos. - Não me
interessa nada disso.
- E queres saber quem é que lixou
tudo entre mim e ela?
- Não. Estou-me borrifando para ti. -
para ela não, acrescentou para si mesmo.
- Pois é, tu, meu merdas. Estava tudo
bem, antes de a teres perseguido. - acusou-o, de dedo em riste, já
numa posição que qualquer homem entenderia como ameaça.
- O que é que vieste aqui fazer?
Bater-me? - perguntou-lhe, enfrentando-o e colocando-se também numa
posição agressiva – Levaste uma tampa e agora queres arranjar um
bode expiatório. Pois eu acho que ela foi muito inteligente em se
pirar. Aquilo não é mulher para ti, amigo. Lamento informar-te... -
uma mão alcançou-lhe a cara, esmurrando-o com um pouco mais de
força que tinha imaginado, desorientando-o. João recuperou a visão
e mediu-o, perdendo a noção do perigo e lançando-se ao segurança,
queria matá-lo por ter beijado aquela mulher e sabia lá o que mais
tinha feito com ela. Embrulharam-se como dois cães, enraivecidos,
rolando pelo chão numa luta passional e crua, como se a vida dos
dois dependesse de quem vencesse aquela batalha. João limitava-se a
proteger a cara e tentar alcançar alguma zona do corpo de Janota
para despejar a sua frustração e ódio. Não sentia nenhum dos
murros que o segurança lhe dava, a adrenalina mantinha-o anestesiado
e focado na luta, quando a porta de casa abriu e Nélia, que voltara para ir buscar um casaco mais grosso, gritou
aflita, chocada com a visão da sala de pantanas e ensanguentada. Os
dois homens pararam subitamente e largaram-se ofegantes, com Janota a
recuperar mais facilmente, levantando-se meio trémulo do chão,
envergonhado com o olhar da namorada de João, que se mantinha no
chão a respirar com dificuldade, visivelmente mais ferido.
Janota dirigiu-se à porta e não
conseguiu encará-la, saindo rapidamente da casa, tinha dado uma
tareia naquele pomposo, mas só lhe souberam bem os primeiros murros,
e se soubesse que teriam testemunhas nunca o faria. Não tinha medo
de represálias, mas o olhar da mulher incomodara-o, fazendo-o
sentir-se culpado. Olhou-se no espelho do elevador e deu graças por
estar pouco marcado. O Salvador ia-se passar, se descobrisse.
- Deixa estar, estou bem. - balbuciou
João, afastando Isabel de si, não queria ajuda, talvez merecesse
aqueles murros, pensou. Uma experiência de que não se recordava,
mas certamente que já não seria a primeira vez que andava à
porrada. Doíam-lhe as costelas, e o nariz. Colocou-se de joelhos,
cuspiu um bocado de sangue para o chão e agarrou-se ao sofá para se
levantar.
- Andaram à porrada porquê? -
questionou-o, ainda em choque com aquilo tudo – João, responde.
Não é melhor irmos ao hospital?
- Não é preciso, estou bem. - Uma
dor lancinante nos pulmões obrigou-o a ajoelhar-se novamente. Talvez
não estivesse assim tão bem, pensou. - Se calhar é melhor ir às
urgências. - deu-lhe um braço para se apoiar e levantou-se o mais
devagar que conseguiu, sustendo a respiração. - Acho que tenho
alguma costela partida.
- E chamar a polícia? Foste atacado
em casa! - exclamou decidida.
- Não, deixa, ele também levou. E
não vai voltar... Ai... - gemeu, agarrando na carteira à entrada e
nas chaves.
- Mas porque é que ele veio cá?
Chatearam-se? O que é que ele queria?
- Tirar satisfações sobre a Marta. -
sussurrou com esforço.
- Eu logo vi... - bufou contrariada. -
Sempre essa tipa, e tu humilhas-me assim, andando à porrada por
causa de outra mulher? - aquilo era demais, pensava, ofendida. -
Olha, chama-a para te ir levar ao hospital. - entrou novamente em
casa e fechou a porta com força na cara de João, que cambaleava
ligeiramente espantado com a sua reação.
- Isabel... - gemeu. Não queria
acreditar que o ia deixar sozinho a conduzir até ao hospital. A
porta do elevador abriu e uma senhora soltou um grito ao deparar-se
com o jovem médico de cara pisada e ensanguentada. - Não se
assuste, tive um pequeno acidente em casa, nada de especial. -
apressou-se a explicar, enquanto a mulher deslizava para fora da
cabine em pânico. - Adeus, bom dia. - disse-lhe, deixando-a fugir. -
Ai...
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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