Entraram
em casa de João e Isabel mostrou-lhes os quartos que poderiam ocupar
naquela noite, pedindo licença para se ir deitar. Sentia-se morta
por dentro, como se estivesse a ser presa por dois ou três cordéis
invisíveis, comandados por outra pessoa qualquer. Fechou a porta do
quarto, trancando-a de seguida e despiu-se, entrando no duche.
Manteve-se vários minutos debaixo do chuveiro intenso, de olhos
fechados, apoiando-se com uma das mãos na parede por sentir as
pernas bambas meio adormecidas. Sabia que estava no limite das suas
forças, terminou o duche e apressou-se a sair da cabine que lhe
trazia cada vez mais recordações daquela manhã. Como podia a sua
vida ser tão cínica e cruel, perguntava-se, lembrando-se do corpo
dele a comprimi-la contra a parede, as suas mãos grandes a
explorá-la sem pudores, a sua boca exigente e sensual. Quebrou nesse
momento, deixando-se cair no chão, agarrada aos joelhos, chorando
descontrolada. A imagem dele numa cama de hospital, adormecido pelas
drogas, em letargia, consumia-a, estrangulando-lhe a garganta. Foi
surpreendida pelo som do telemóvel, poisado na cama que interrompeu
a sua crise de choro, obrigando-a a voltar à realidade. Embrulhou-se
na toalha, apressou-se a chegar até ao aparelho, pegando-lhe com as
mãos trémulas. Uma breve esperança de que fosse algum contacto
dele surgia-lhe no coração, insuflando-o. Abriu a mensagem do
número desconhecido e não conseguiu travar um grito histérico,
largando o telefone como se esse queimasse. Caiu no chão de joelhos,
sem parar de gritar, e arrastou-se até à porta, abrindo-a para
fugir do espaço fechado que a começava a sufocar. Janota e Salvador
apareceram no mesmo instante, sobressaltados, procurando pelo motivo
dos gritos.
-
Isabel! O que foi? – Salvador ajoelhou-se na sua frente,
segurando-a.
-
O Filipe… ele vai-lhe fazer o mesmo… - soluçou descontrolada,
tentando soltar-se dos braços que a ajudavam.
Janota
pegou no telemóvel, viu a foto do cão esventrado, e a legenda que
se seguia: “Este já está. O teu namorado é o próximo”. – Eu
vou matar este gajo… - rosnou, apagando a mensagem automaticamente.
Salvador
pegou em Isabel que se debatia, colocando-a com dificuldade na cama.
-
Calma Isabel, por favor tem calma. Ninguém vai fazer aquilo ao João.
Nós prometemos-te. Janota, agarra-a, vou ver se o João aqui tem
algum calmante. – deixou-os e vasculhou a casa de banho do amigo,
encontrando um remédio que seria eficaz para acalmarem Isabel,
voltando logo de seguida para o quarto. – Toma este comprimido.
Vais sentir-te melhor… - pediu, sabendo que teria de a forçar a
engolir o remédio. – Vamos, abre a boca, por favor. Janota,
abre-lhe a boca. – ordenou.
-
Achas mesmo necessário isto? – perguntou incomodado com aquelas
manobras violentas numa mulher frágil.
-
Ela está em crise de nervos, não vês? Não se vai acalmar por si
só. Vamos, abre-lhe a boca! – disse já a perder a paciência.
-
Isabel, desculpa, mas é para teu bem. – Janota obedeceu ao amigo e
colocaram-lhe o comprimido à força no fundo da garganta,
deitando-lhe depois um pouco de água na boca aberta pelas mãos do
segurança, que tentava não a magoar.
Mantiveram-se
com ela enquanto o corpo esperava pelo efeito do remédio, e
repentinamente Isabel adormeceu, amolecendo automaticamente, caída
na cama. Salvador e Janota respiraram fundo e deixaram-na coberta,
com a toalha ainda em volta do seu corpo, por pudor em coloca-la mais
confortável. Saíram, deixando a porta aberta por precaução, não
fosse ela acordar durante a noite e precisar de ajuda.
-
Que dia… - suspirou Salvador, sentando-se derrotado no sofá – Vê
se ele aí tem alguma coisa forte que se beba, por favor… Acho que
preciso de anestesiar a cabeça…
-
Whisky? – perguntou Janota, espreitando o bar sofisticado da sala.
-
Serve, tem de servir…
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(imagem, internet)
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