quarta-feira, 10 de outubro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 17 (2ª parte)




Tal como imaginou, o carro seguiu-a até à quinta, mantendo sempre uma distância constante. Isabel pagou e entrou em casa, deixando a porta apenas no trinco, para que ele entrasse com facilidade. Não queria mais entraves, dar-lhe-ia o que ele tanto queria, a sua vida, se assim fosse a vontade do Destino. Largou a mala no sofá, descalçou-se, passou pela cozinha e entrou na sala de yoga, sentando-se de frente para Shiva e Ganesha, orando à sua proteção, enquanto esperava. Já não sentia medo, apenas raiva, e estava cansada de fugir. Não poderia andar toda a vida com aquele fantasma a persegui-la, aquilo não era viver, era ser uma presa. Se João já não se recordava dela, seria muito mais simples Isabel desaparecer. Se não podia viver com ele, também nunca poderia viver com mais ninguém, nem queria. O seu egoísmo levara a tudo aquilo, ao desfecho dramático do dia anterior, e não poderia permitir que mais ninguém sofresse por causa de Tiago. Estava na hora de ser altruísta, acabar de vez com ele e a única forma que sabia ser eficaz era acabar com o objeto da sua obsessão.

Tiago entrou em silêncio, excitado com aquela reviravolta. Isabel chamava-o, não fugia. Encostou a porta e trancou-a, colocando uma cadeira em posição de tranca, limitando ainda mais a tentativa de entrada de terceiros. Queria privacidade total. Tinha imaginado aquele reencontro todos os dias antes de adormecer, agora parecia-lhe quase um sonho, sentia-se excitado e nervoso.
Espreitou para a sala onde no dia anterior tinha morto o cão e viu-a, serena, sentada de costas, sem medo, o que o arrepiou ligeiramente. Não estava acostumado a ser apanhado de surpresa, ela deveria estar a implorar que não a matasse, ou a fugir como um rato enjaulado. Só assim teria o controle da situação. Se ela não reagia era estranho, mas sedutor.
- Olá Isabel.
Isabel manteve-se de costas, de olhos abertos fixos nas imagens danificadas de grafiti vermelho, sem reagir à voz, propositadamente. Conhecia-o tão bem que podia imaginar o que a sua mente depravada estava a pensar. Deveria estar confuso, excitado, e pronto a atacar. Respirou mais algumas vezes, para se acalmar, agora não havia volta a dar. Ia ser o último encontro.
- Eu disse olá! – reforçou meio alterado, dando alguns passos incertos na direção dela, que se voltou nesse momento, mantendo-se sentada e olhando-o com ódio.
- Eu ouvi. Ainda bem que vieste. - observou-o a, sem mostrar fraqueza, queria que ele não reagisse, para lhe dar tempo para conseguir concretizar o que tinha imaginado - Estava a preparar-me para fazer uma coisa muito importante, e queria muito que estivesses presente. Senta-te por favor! – disse, sem emoção na voz. Tiago obedeceu confuso, colocando-se a uma distância de segurança por não saber o que se iria passar a seguir. Normalmente era ele que tinha o controlo da situação, e deixava que Isabel se lhe adiantasse por curiosidade mórbida. Isabel tirou uma faca debaixo das pernas e mostrou-lha sorrindo.
- És tu que gostas de esfaquear coisas, não é? Pois vou-te oferecer um presente. – pegou na faca e as mãos tremeram-lhe ligeiramente, temendo não ter coragem para acabar com tudo – Nunca percebi porque me odiavas tanto, o que fazia de mal para que me quisesses bater, pensava que era a culpada de tudo o que me acontecia, mas hoje percebi que não, - começou a explicar, deixando uma lágrima cair sem conseguir evitar mostrar as emoções – o teu objetivo é matares-me, porque não és uma pessoa normal, és um monstro. E os monstros escondem-se debaixo das nossas camas, à espera que caiamos no sono, para nos atacarem. Cobardes e maus, como tu. - ameaçou cortar o pulso ao vê-lo mexer-se na sua direção e conseguiu mantê-lo em espera, continuando o seu discurso – Um dia gostei de ti, quis ser tua, faria tudo por nós, até levar porrada, e nem isso te satisfez. Mataste tudo o que um dia amei, e desta vez conseguiste matar até o que restava de mim, a minha vontade de continuar, a força de lutar contra ti. Foi-se tudo. - Sentia os nervos crescerem dentro dele, que começava a tremer no lugar, desorientado com a imagem da faca na pele dela, e uma vontade mórbida de o ver sofrer deu-lhe a coragem que lhe estava a faltar. Fez um golpe rápido no pulso esquerdo, que começou automaticamente a verter sangue, pegou com essa mão na faca e repetiu o gesto no pulso direito.
- Não!!! – berrou, lançando-se na direção dela, em pânico, depois de recuperar do choque daquela visão. Tentou agarrar-lhe na faca, mas Isabel foi mais rápida e aproveitou o embalo dele para enterrar a faca no centro do peito de Tiago, que arfou violentamente e lhe caiu em cima, de olhos abertos e assustados.
O peso do corpo sufocava-a, como uma sentença de morte que iria chegar para eles os dois, ali sozinhos na sala, sentindo-se cada vez mais fraca. Fechou os olhos, visualizou a imagem de João e respirou fundo, finalmente teria paz.


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