quarta-feira, 17 de outubro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 18 (3ª parte)




- Como é que fez isto? – perguntou-lhe com a voz fraca, olhando na direção das suas cicatrizes, realmente curioso com aquelas marcas tão feias.
- É uma história triste e muito longa… - desconversou, sem no entanto se incomodar com a pergunta indiscreta. Ao contrário dele, ela ainda se lembrava de como era fácil conversarem, como se sentiam bem e confortáveis um com o outro. – Vamos levantar o tronco com calma. – incitou-o, ajudando-o a içar-se do chão.
- Desculpe, não tenho nada a ver com isso. – limpou o suor da testa com a palma da mão e respirou fundo várias vezes, sentindo-se mais restabelecido.
- Um dia conto-lhe. – acrescentou, confessando uma verdade que não poderia explicar. Tinha esperança de que ele acordasse um dia, chamasse por ela e recuperassem de novo a recente vida em conjunto que fora interrompida com o surto do dia do massacre de Filipe.
- Combinado. – disse-lhe sorrindo.
- Vou colocar o banco dentro do chuveiro, assim é mais seguro. – levantou-se decidida.
- Mas vou tomar banho na mesma? – perguntou surpreendido.
-Claro, a crise já passou. E nada como um duche para nos fazer sentir melhor. – respondeu. Ligou a água, depois de colocar o banco estável e ajudou-o a retirar a camisola. João apoiou-se no chão e levantou-se, despindo o resto da roupa meio envergonhado.
- Não se preocupe, não é nada que eu já não tenha visto. – tornou a confessar, sorrindo-lhe e encaminhando-o para o banco. Iniciou o banho molhando-o, enquanto analisava o estado fraco e mais magro que o antigo corpo vigoroso perdera naquelas semanas de estado vegetativo. Um ardor crescia-lhe na garganta, ameaçando umas lágrimas de tristeza, e Isabel engoliu a sua mágoa, concentrando-se em esfregar o champô no cabelo demasiado comprido. – Precisa de um corte. – sugeriu, caprichando na massagem capilar.
- Isso é muito bom… - sussurrou a sentir-se deliciado com a destreza dos dedos experientes da enfermeira.
- Tenho um curso de massagista clínica. – disse, cada vez mais satisfeita com o facto de lhe poder estar a tocar novamente.
- Ah, está explicado… Porque é que não tem bata de enfermeira?
- eh… eu ainda não tinha iniciado o turno quando entrei no seu quarto. – conseguiu dizer sem gaguejar.
- Vai molhar a roupa toda.
- Não faz mal, depois visto a bata. – brincou, passando água morna na cabeça ensaboada e continuando a massagem com a mão livre.
- Tinha razão, sinto-me muito melhor. – confessou, pegando na esponja e lavando o resto do corpo que a enfermeira ainda não tinha esfregado, poupando-os aos dois a embaraços. Uma sensação demasiado erótica crescia dentro de si e tinha a certeza de que se ela o massajasse da mesma forma pelo tronco abaixo ficaria muito mal visto. Não queria ofendê-la, principalmente porque ela poderia nunca mais lá voltar.
- Vamos só tirar o sabão do corpo e já está. – felizmente ele tinha tomado a iniciativa de se lavar, seria bastante desconfortável colocar-se de gatas para lhe esfregar as canelas, suspirou aliviada. Passou o chuveiro por todo o corpo e terminou o banho, apressando-se a colocar uma toalha em cima do homem completamente nu que parecia cada vez mais encavacado.
- Obrigado. – João deixou-a secar-lhe o cabelo, enquanto passava rapidamente a toalha, a sentir-se corar como um miúdo.
- Fazemos a barba? – perguntou-lhe, ajudando-o a sair da cabine de duche.
- Não sei se ainda tenho forças para isso… - confessou.
- Eu faço. Não se preocupe. Sente-se aqui em frente do lavatório. Isto não deve ser nada do outro mundo. – gracejou, animada com o facto de prolongar aquela intimidade.
- Nunca fez a barba aos pacientes? – perguntou surpreendido.
- Sim, claro… - sentia-se corar indecentemente, como uma criança a quem apanham uma mentira. Preparou os utensílios necessários e colocou-se por trás dele, adivinhando que lhe seria mais confortável encostar-se nela.
- Se não se importar, precisava de me apoiar…
- Claro, se sentir alguma tontura diga. Vou fazer isto rápido, acho que precisa de comer e descansar um pouco na cama.
- Obrigado. – encostou-se no corpo dela que se mantinha de pé e relaxou instantaneamente. Era uma mulher magra mas onde não se notavam os ossos, constatou agradado. Sentiu o queixo a ser inclinado para cima e automaticamente a sua cabeça ficou apoiada no peito dela, sem pudores. Deveria sentir aquelas manobras de uma forma profissional, mas em vez disso, um prazer familiar invadiu-o, colocando-o num estado de dormência idêntico ao pré-sono. Concentrou-se no respirar dela, mantendo-se de olhos fechados, deliciado com tudo aquilo. Desejou que a barba lhe crescesse meio metro todos os dias, e essa ideia fê-lo sorrir.
- Então, está a rir de quê? Estou a fazer-lhe cócegas?
- Não, nada disso. – respondeu, mantendo o sorriso – Posso confessar uma coisa?
- Sim. – um nó no estômago trouxe-a de volta à realidade.
- Marta, nunca uma enfermeira me fez tão bem a barba… - disse, sentindo-se divertido.
- Isso é porque eu não sou uma enfermeira na realidade. – confessou brincado.
- Não é?
- Não, sou uma paciente da ala feminina com demasiado tempo livre. Devem andar neste momento à minha procura. Por isso, nada de me denunciar.
- Você é demais! – reagiu divertido com o sentido de humor dela. Teve a noção nesse exato momento de que facilmente poderia gostar de uma mulher como ela. Pelo menos já tirara uma das dúvidas do seu inconsciente, não era gay.

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(imagem, internet)

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