-
Como é que fez isto? – perguntou-lhe com a voz fraca, olhando na
direção das suas cicatrizes, realmente curioso com aquelas marcas
tão feias.
-
É uma história triste e muito longa… - desconversou, sem no
entanto se incomodar com a pergunta indiscreta. Ao contrário dele,
ela ainda se lembrava de como era fácil conversarem, como se sentiam
bem e confortáveis um com o outro. – Vamos levantar o tronco com
calma. – incitou-o, ajudando-o a içar-se do chão.
-
Desculpe, não tenho nada a ver com isso. – limpou o suor da testa
com a palma da mão e respirou fundo várias vezes, sentindo-se mais
restabelecido.
-
Um dia conto-lhe. – acrescentou, confessando uma verdade que não
poderia explicar. Tinha esperança de que ele acordasse um dia,
chamasse por ela e recuperassem de novo a recente vida em conjunto
que fora interrompida com o surto do dia do massacre de Filipe.
-
Combinado. – disse-lhe sorrindo.
-
Vou colocar o banco dentro do chuveiro, assim é mais seguro. –
levantou-se decidida.
-
Mas vou tomar banho na mesma? – perguntou surpreendido.
-Claro,
a crise já passou. E nada como um duche para nos fazer sentir
melhor. – respondeu. Ligou a água, depois de colocar o banco
estável e ajudou-o a retirar a camisola. João apoiou-se no chão e
levantou-se, despindo o resto da roupa meio envergonhado.
-
Não se preocupe, não é nada que eu já não tenha visto. –
tornou a confessar, sorrindo-lhe e encaminhando-o para o banco.
Iniciou o banho molhando-o, enquanto analisava o estado fraco e mais
magro que o antigo corpo vigoroso perdera naquelas semanas de estado
vegetativo. Um ardor crescia-lhe na garganta, ameaçando umas
lágrimas de tristeza, e Isabel engoliu a sua mágoa, concentrando-se
em esfregar o champô no cabelo demasiado comprido. – Precisa de um
corte. – sugeriu, caprichando na massagem capilar.
-
Isso é muito bom… - sussurrou a sentir-se deliciado com a destreza
dos dedos experientes da enfermeira.
-
Tenho um curso de massagista clínica. – disse, cada vez mais
satisfeita com o facto de lhe poder estar a tocar novamente.
-
Ah, está explicado… Porque é que não tem bata de enfermeira?
-
eh… eu ainda não tinha iniciado o turno quando entrei no seu
quarto. – conseguiu dizer sem gaguejar.
-
Vai molhar a roupa toda.
-
Não faz mal, depois visto a bata. – brincou, passando água morna
na cabeça ensaboada e continuando a massagem com a mão livre.
-
Tinha razão, sinto-me muito melhor. – confessou, pegando na
esponja e lavando o resto do corpo que a enfermeira ainda não tinha
esfregado, poupando-os aos dois a embaraços. Uma sensação
demasiado erótica crescia dentro de si e tinha a certeza de que se
ela o massajasse da mesma forma pelo tronco abaixo ficaria muito mal
visto. Não queria ofendê-la, principalmente porque ela poderia
nunca mais lá voltar.
-
Vamos só tirar o sabão do corpo e já está. – felizmente ele
tinha tomado a iniciativa de se lavar, seria bastante desconfortável
colocar-se de gatas para lhe esfregar as canelas, suspirou aliviada.
Passou o chuveiro por todo o corpo e terminou o banho, apressando-se
a colocar uma toalha em cima do homem completamente nu que parecia
cada vez mais encavacado.
-
Obrigado. – João deixou-a secar-lhe o cabelo, enquanto passava
rapidamente a toalha, a sentir-se corar como um miúdo.
-
Fazemos a barba? – perguntou-lhe, ajudando-o a sair da cabine de
duche.
-
Não sei se ainda tenho forças para isso… - confessou.
-
Eu faço. Não se preocupe. Sente-se aqui em frente do lavatório.
Isto não deve ser nada do outro mundo. – gracejou, animada com o
facto de prolongar aquela intimidade.
-
Nunca fez a barba aos pacientes? – perguntou surpreendido.
-
Sim, claro… - sentia-se corar indecentemente, como uma criança a
quem apanham uma mentira. Preparou os utensílios necessários e
colocou-se por trás dele, adivinhando que lhe seria mais confortável
encostar-se nela.
-
Se não se importar, precisava de me apoiar…
-
Claro, se sentir alguma tontura diga. Vou fazer isto rápido, acho
que precisa de comer e descansar um pouco na cama.
-
Obrigado. – encostou-se no corpo dela que se mantinha de pé e
relaxou instantaneamente. Era uma mulher magra mas onde não se
notavam os ossos, constatou agradado. Sentiu o queixo a ser inclinado
para cima e automaticamente a sua cabeça ficou apoiada no peito
dela, sem pudores. Deveria sentir aquelas manobras de uma forma
profissional, mas em vez disso, um prazer familiar invadiu-o,
colocando-o num estado de dormência idêntico ao pré-sono.
Concentrou-se no respirar dela, mantendo-se de olhos fechados,
deliciado com tudo aquilo. Desejou que a barba lhe crescesse meio
metro todos os dias, e essa ideia fê-lo sorrir.
-
Então, está a rir de quê? Estou a fazer-lhe cócegas?
-
Não, nada disso. – respondeu, mantendo o sorriso – Posso
confessar uma coisa?
-
Sim. – um nó no estômago trouxe-a de volta à realidade.
-
Marta, nunca uma enfermeira me fez tão bem a barba… - disse,
sentindo-se divertido.
-
Isso é porque eu não sou uma enfermeira na realidade. – confessou
brincado.
-
Não é?
-
Não, sou uma paciente da ala feminina com demasiado tempo livre.
Devem andar neste momento à minha procura. Por isso, nada de me
denunciar.
-
Você é demais! – reagiu divertido com o sentido de humor dela.
Teve a noção nesse exato momento de que facilmente poderia gostar
de uma mulher como ela. Pelo menos já tirara uma das dúvidas do seu
inconsciente, não era gay.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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