Salvador
e Janota pararam o carro atrás do de Tiago e correram até à casa,
que estava trancada.
-
Eu disse-te que ela ia fazer um disparate! – berrou Salvador,
histérico.
Janota
rebentou a porta com facilidade e entraram aos tropeções na sala,
dirigindo-se à sala de yoga, onde certamente ela estaria.
-
Não… - Janota arrancou Tiago de cima dela, a tremer das mãos,
para analisar o que se teria passado. Ela tinha-o morto, concluiu. –
Chama o INEM! Tentativa de suicídio e uma morte. Ela está viva. –
Rasgou dois pedaços da t-shirt e fez um garrote improvisado nos
braços dela, para que não se esvaísse enquanto esperavam os
paramédicos. – Isabel… estás a ouvir-me?
Salvador
encostou-se à parede, longe do cadáver e sem manter contacto visual
com Isabel, que parecia estar a morrer. Era demasiado terrível tudo
aquilo, todo aquele sangue.
-
Como é que aguentaste isto toda a vida? – perguntou a Janota, a
sentir um vómito eminente.
-
Empresta-me a tua t-shirt. – ordenou, sem explicar o que tinha em
mente.
-
Mas para quê? – perguntou confuso e cada vez mais nauseado.
-
Preciso de apagar as impressões digitais dela da faca. Anda, dá-me
a tua t-shirt virada do avesso.
Salvador
obedeceu e Janota limpou o cabo da faca ainda espetada no peito de
Tiago, provocando um vómito no amigo que fugiu da sala para o ar
fresco da rua. Friccionou a mão direita de Tiago, depois de se
certificar pela lógica da posição do relógio, nos ângulos em que
seria normal alguém exercer força para aqueles golpes, virou-o
ligeiramente de lado, de costas para ele e Isabel e concentrou-se
novamente em prestar auxílio a ela. Ao longe o som da ambulância
crescia, abrindo-lhe os pulmões e relaxando-o. Se ela fosse forte,
ainda resistiria, tinham chegado a tempo de a salvar.
-
Isabel, não te preocupes, não vais morrer…. – consolou-a,
mantendo-se a pressionar os braços, reforçando o bloqueio dos
garrotes.
A
ambulância saiu disparada em direção ao hospital, ficando no local
do crime a polícia e as duas testemunhas que encontraram os corpos e
alertaram as autoridades. Salvador vestia a t-shirt ensanguentada por
dentro, mas como Janota previra, ninguém notou, o que facilitou à
polícia imaginar uma sequência de acontecimentos. “Isabel fizera
queixa do ex-marido no dia anterior. Alegadamente a sua casa teria
sido vandalizada por Tiago. No dia seguinte ela volta ao local do
crime, ele segue-a , corta-lhe os pulsos e suicida-se a seguir.
Parecia simples, faltava apenas a confirmação dos testes periciais.
A ameaça escrita na parede da sala onde tudo acontecera ajudava a
compreender a loucura de todo o crime. Um novo relacionamento amoroso
da vítima feminina despoletara aquele desfecho dramático, mas
felizmente os amigos de Isabel apareceram a tempo de a ajudar a
sobreviver.”
-
Acompanhem-nos à esquadra por favor. Ainda é preciso formalizar o
vosso depoimento, só depois disso poderão ir ter com a vítima ao
hospital. – informou o polícia secamente.
-
Claro, só temos de avisar alguns familiares e amigos próximos do
que aconteceu que possam ir ter com ela ao hospital. – interveio
Salvador, pedindo autorização formal para divulgar entre César e
os pais de Isabel a condição física dela.
-
Com certeza, apenas seja discreto nos pormenores, por favor. –
respondeu o polícia afastando-se dos dois e encaminhando-se para a
casa dando-lhes um momento de privacidade.
-
Tens cá uma prosápia… - brincou Janota já mais restabelecido do
choque.
-
Eu acho é que mais uma vez não vou abrir o bar… ainda vou à
falência por causa destes dois… - lamentou-se, sabendo que nada
era mais importante que os amigos, e fazia dinheiro suficiente para
encerrar portas vários meses seguidos. – Agora vamos avisar o
César e tentar descobrir o contacto da família dela lá de Castelo
Branco. Ainda tenho de pensar como contar uma coisa destas sem que as
pessoas fiquem desesperadas.
-
O número dos pais eu arranjo, dá-me uns minutos. Vai falando com o
César.
-
Ok… vamos a isto. – pegou no telemóvel e procurou o contacto do
psiquiatra. Teria de recorrer aos seus serviços se o seu dia a dia
continuasse assim agitado. Era demasiado sangue, e o cheiro da sua
camisola poderia comprová-lo, mortes eminentes, cadáveres…
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
Sem comentários:
Enviar um comentário