quarta-feira, 24 de outubro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 19 (4ª parte)





Esperou que Isabel desaparecesse na rua e saiu detrás da carrinha estacionada, correndo até à porta do prédio e apressando-se a retirar da caixa do correio a chave da tia. Se tudo corresse como planeara desde a clínica até ali, nunca mais a Rosário entraria naquela casa e essa era uma das primeiras coisas a providenciar, afastar a empregada de João e do seu apartamento. Entrou em casa e sorriu de orelha a orelha, com uma satisfação que lhe fazia inchar o peito. Há muito tempo que não se sentia tão feliz, realizada e optimista. Na sua cabeça nada poderia correr mal, era tão fácil que dava vontade de gargalhar. A vingança mais fria que poderia ter imaginado, assumir o lugar de Isabel, deitar-se na sua cama, conduzir o seu carro, usufruir de todas as mordomias chiques que João nunca lhe dera a oportunidade sequer de desejar, expulsando-a de casa como se fosse um pedaço de esterco sem utilidade. Iria ocupar o seu lugar na vida dele, usá-lo enquanto a sorte lhe permitisse, organizar-se financeiramente, introduzindo-se naquele meio social requintado, e se João recuperasse a memória, depressa encontraria outro possível namorado rico a quem se encostar. A vida tinha-lhe sido até então madrasta, estava na altura de mudar as regras e fazer-se esperta. Esperar pela bondade do destino ficava fora de questão, nem que para isso tivesse que se transformar em Isabel.

- Podes por favor explicar-me isso tudo com calma? – Elisabete esforçava-se por entender o discurso atrapalhado e nervoso do marido, que lhe ligara antes de chegar a casa, o que era raro e sinal de problemas.
- Lisa, o João está a ser vítima de burla, entendes? Estava lá uma mulher no quarto que assumiu ser a “Isabel”, a namorada, me enfrentou descaradamente, sem papas na língua… - gemeu, a sentir-se patético à medida que verbalizava tudo aquilo.
- Tem calma, demoras muito a chegar? Não é melhor falarmos em casa, tomas um banho, jantamos e explicas-me tudo com tempo? Vamos, não há nada que não se possa resolver, anda. Conduz com calma que eu vou terminar o jantar. – disse carinhosamente, transformando a neurose do marido automaticamente.
- Sim, sim… tens razão, já vou a caminho. – confessou, respirando fundo – Até já. – desligou o telefone e concentrou-se no trajeto, olhando-o com mais atenção que o costume. Fazia aquela estrada, ida e volta, há vários anos, mas só quando ficava realmente preocupado é que lhe prestava atenção, procurando nos seus pormenores uma âncora para o desespero. Agarrava-se à enormidade das árvores à sua volta, estudando a sua forma, para não pensar em nada do que assistira naquele fim de tarde. A Lisa saberia desdramatizar tudo aquilo, encontrar uma solução prática e tirar-lhe aquele peso da culpa, pensou, aliviado com a perspectiva de chegar a casa. Não poderia nunca ser Psiquiatra se não estivesse casado com ela, admitiu, recordando-se de lhe ter pedido um dia que fosse sua e nunca o deixasse, por puro egoísmo, a que muitos chamavam de amor. Sem ela não seria nada, amava-a, ou melhor, precisava-a mais que tudo.


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