Caminhou
em silêncio até ao fundo do corredor, seguido por Nélia que não
demonstrava qualquer constrangimento com aquela conversa privada e
fazia a sua primeira análise do que estava a acontecer. Uma
oportunista sem escrúpulos, gritava-lhe a sua vozinha interior.
-
Sente-se por favor. – ordenou, tomando o lugar em frente do outro
lado da grande secretária cheia de processos clínicos.
-
Obrigada. Então? O que queria conversar?
-
Sou amigo do João há vários anos. Ele teve uma mulher chamada
Isabel e tem de facto uma namorada também com esse nome, e nenhuma
delas é a senhora. Quer explicar-me o que vem a ser isto?
Nélia
sorriu indolentemente e recostou-se na cadeira, observando o
psiquiatra nervoso.
-
Bem, lá porque nunca me viu antes, não significa que eu não faça
parte da vida dele. Nós temos uma relação, que começou antes
dessa tal suposta namorada. Se ele nunca lhe contou é porque
tencionava manter-me em segredo.
-
Não, nunca mencionou conhecer uma terceira Isabel. E eu duvido que
isso seja verdade. – respirou fundo e continuou – Menina, eu não
sei o que pretende com esta abordagem, mas tenho de a avisar de que
está a comprometer o tratamento e a recuperação ativa do paciente.
Ainda não lhe falámos sobre detalhes do passado que ele esqueceu
momentaneamente porque aguardamos que recupere sozinho, sem
influências. Aquilo que fez pode ser altamente prejudicial! –
disse já exaltado.
-
Então deixam um homem já quase recuperado, pelo que pude perceber,
completamente às cegas, à espera que se dê um milagre e ele se
lembre de quem era? Parece-me bastante cruel. – ironizou – Cruel
e pouco correto.
-
Desculpe mas não tem qualquer legitimidade para tecer considerações
sobre o que é correto ou não no tratamento do paciente. Como já
lhe disse, não a conheço de parte nenhuma.
-
Pois, já me disse, e eu repito-lhe também: Eu e o João temos uma
relação. Eu tenho provas. – tirou o telemóvel da carteira,
procurou as fotos dos dois na cama e mostrou ao médico, sem pudores.
-
Isso não prova nada. – uma azia ameaçou aparecer com aquela visão
que sabia que ela utilizaria também com João.
-
Quer apostar?
-
Minha menina, eu não vou permitir que faça o que está a pensar! O
João não namora consigo. Se andaram enrolados meia dúzia de vezes
isso não lhe dá o direito de querer assumir um lugar que não é
seu! – berrou, dando uma palmada na mesa.
-
Vamos ver se não dá! – respondeu sorrindo – Ele deve estar
ansioso por retomar a vida que deixou pendurada e que ninguém o
deixa lembrar. – levantou-se e saiu apressadamente do gabinete
deixando César embasbacado, voltando ao quarto o mais rapidamente
que conseguiu. O médico não teria hipótese de a desmentir,
principalmente porque temia confundir ainda mais o amigo.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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