quinta-feira, 23 de julho de 2020

"A Mala Vermelha" - Capítulo 5





- Amanhã não estou cá ao final do dia. – avisou-o, enquanto apanhava os lençóis já secos. – Vou jantar a casa de uma amiga.
- Ah, eu também não posso amanhã, calha bem. – comentou, agarrando nas pontas do pano e ajudando automaticamente. – E ainda não falámos sobre o preço das aulas. – tinha de definir isso para não se sentir abusador.
- Ontem não fizeste nada para além de dormir. Hoje já me ajudaste a lavar a roupa. – enumerou – Está saldado.
- Não Senhora! Isso não tem jeito nenhum. – reclamou honestamente incomodado.
- Já disse. – repreendeu-o no mesmo tom com que se dirigia a Filipe.
- Teimosa.
- Pois sou.
João não insistiu mais, não valia a pena estarem a acabar o dia zangados. Iria falar com Elisabete, a mulher de César e ficaria a saber quanto custava uma aula. Não queria cá pagamentos de hippies, e ela de certeza que precisaria mais de dinheiro que ele.
- Tudo bem. Mas vais lavar lençóis todos os dias? É que isto cansa. – brincou, levando-lhe os panos dobrados para dentro de casa, não sem que ela reclamasse desse gesto.
- Não sei com que regularidade pensas vir ter aulas. – disse de forma prática – Eu estou sempre em casa depois do almoço, só dou aulas de manhã e durante uns meses não vou fazer voluntariado. Ainda não recuperei totalmente das últimas visitas. – explicou, sentando-se no sofá com as pernas esticadas na mesinha de centro.
- E namoradas? – provocou ele, curioso com esse lado pessoal dela.
- Por agora estou livre. – respondeu meio incomodada, tentando disfarçar.
- Então, se não te importares, venho de segunda a sexta. – disse encostando a cabeça no cadeirão e sentindo-se a ceder ao cansaço.
- Ok, isso vai-te sair caro. Não tenho roupa suficiente para lavares. – gracejou, genuinamente satisfeita por saber que iria ter a companhia dele diariamente.
- Também sei passar a ferro.
- Sabes? – perguntou espantada.
- Não… - sorriu e fechou os olhos que lhe pesavam toneladas, adormecendo instantaneamente.
- Pronto. Lá vai ele outra vez… - levantou-se e tapou-o com uma manta que tinha sempre por ali para se aconchegar a ler, dirigindo-se depois à cozinha para começar a fazer o jantar. Era muito estranha aquela necessidade que ele tinha de dormir, andaria de noite acordado? 


- Estava quase para ir à polícia denunciar um desaparecimento. – gracejou Salvador feliz por ver de novo o amigo e cumprimentando-o efusivamente.
- Então, estás bom? Tenho andado ocupado. – explicou, pedindo-lhe um fino e uns aperitivos.
- É muita gaja, não é? Eu compreendo. – provocou o amigo sorridente.
- Por acaso é só uma, mas é lésbica. – respondeu João satisfeito com a cara de horrorizado de Salvador.
- Quê? Mas agora viraste lésbico? – brincou curioso.
- Não, ando a ter aulas de Yoga ao final do dia, e a minha professora é lésbica. – explicou bebendo o fino quase todo.
- Mas que confusão. – exclamou abanando a cabeça – Bem, eu também já andei no Yoga, mas fartei-me. Ao menos é boa?
- Por acaso é. – confessou meio angustiado. – Mal empregada. – Ela era de facto bonita, e embora andasse sempre vestida com uns trapos largos, conseguia perceber-se um corpo delgado, mas torneado, para além do cabelo que lhe agradava bastante, por ser comprido e o facto de ela ser simpática e nada fútil, também lhe davam uma certa dor de barriga. Quando estava com ela não sentia nada daquilo, estando completamente descontraído e à vontade, mas depois ficava meio esquisito, pensava culpado.
- Deixa lá isso. – acalmou-o Salvador, como que lendo os seus pensamentos – Pode ser que ela vire. Enquanto isso não acontece, chegou a louraça que noutro dia te queria engolir a cara! – apontou divertido para a porta, afastando-se para ir atender outros clientes.
João tentou passar despercebido, mas a Nélia já o reconhecera ao longe, avançando decidida na sua direção. 
- Olá. Pagas-me um vodka laranja? Acho que é o mínimo que podias fazer, depois da outra noite. – lançou ela sorridente. Ali tinha ficado um assunto pendente e ela não era mulher de desistir tão facilmente.
- Claro que sim. E desculpa o que aconteceu. Acho que já tinha bebido demais, estava maldisposto. – mentiu, chamando Salvador com um sinal e pedindo-lhe a bebida de forma educada.
Nélia ficou satisfeita com a atitude e beijou-o sem pudores, voltando para o seu espaço como se nada se tivesse passado.
- Então e hoje? Vais mostrar-me a tal surpresa? – piscou-lhe o olho traçando a perna mesmo de frente para ele.
- Pois, parece que sim. – respondeu hipnotizado com as manobras sedutoras da loira assanhada. – Vamos dançar?


Saíram do Bar cedo, João tinha sido "fisgado" sem grandes dificuldades, e estava decidido a usufruir daquela prenda fácil, conduzindo o carro em direção a casa, apressado. Nélia usava de todos os seus truques para o manter interessado, não seria descartada naquela noite, pensava orgulhosa de si mesma. Já lhe tinham dito que ele era estranho, mas rico, e juntando a isso tinha muito bom ar, o homem perfeito para agarrar. Iria proporcionar-lhe uma noite inesquecível e depois logo pensaria numa forma de o continuar a ver. 
João parou o carro no loteamento privado do condomínio exclusivo em que vivia, deu-lhe a mão para a ajudar a sair do carro com aquela saia tão curta e apertada e lembrou-se de que a Marta teria sérias dificuldades em se movimentar pela quinta se andasse assim vestida. Mas de onde surgiu isto agora? Olhou para Nélia, numa tentativa de visualizar bem quem ali estava e tirar a professora de yoga da mente. Beijou-a contra o carro, violentamente e arrastou-a sem cerimónias até casa. 
Entraram no apartamento silencioso e escuro e Nélia ficou encantada com o ar sofisticado de tudo aquilo. Era de facto um homem afortunado, pensava radiante. João levou-a até ao quarto e despiram-se freneticamente, numa pressa incómoda e sem sentido, constatava João, que se sentira mais excitado naquele dia a dobrar lençóis do que no quarto com uma mulher nua. Algo de errado se estava a passar, lamentava-se nervoso. Nélia estacou em cima dele, parando repentinamente os seus movimentos duros e impessoais, e João temeu o pior. Se não conseguisse terminar aquilo, iria ser muito desagradável, nenhum homem gostava de ficar mal visto naquelas matérias.
- O que é isto? – perguntou Nélia inclinando-se para a mesa de cabeceira curiosa e sorridente. Pegou no livro, sem sair de cima de João e mostrou-lho, bem disposta.
- Ando a ler… - conseguiu dizer, aparvalhado com a sensação de estar a corar.
- Muito bem, Sr Dr. – ronronou Nélia – vamos lá então escolher uma página ao acaso e imitar!
- Não me parece má ideia. – disse honestamente. Pegou no livro e abriu-o, calhando numa das posições mais estranhas e humanamente impossíveis que já tinha visto. Lembrou-se de Ganesha, com todos aqueles braços, esse conseguiria de certeza acertar com aquilo. Os membros extra seriam uma vantagem. Precisava de perguntar à Marta se ela já tinha experimentado, mas lembrou-se que ela era lésbica, seria difícil fazer aquilo sem um homem, ou talvez tivessem alguma técnica diferente para gays… Não reparara que já tinha terminado tudo e que Nélia lhe beijava a boca sem o deixar respirar, libertando-se dela e fazendo um leve compasso de espera até ao momento educado de a conseguir despachar. Queria ler novamente o capítulo da parte espiritual e objectivos do Sexo Tântrico. Tinha lido tudo aquilo na diagonal, com pressa de chegar às imagens, e deveria ser interessante perceber como é que ela conseguia fazê-lo.
Assim que conseguiu, pôs a visita na rua, chamando um táxi e oferecendo-se para pagar a corrida, da forma mais delicada possível. Ela aceitou sem culpas e prometeu voltar, o que o incomodou ligeiramente, mas entendeu como mentira piedosa. Sabia que tinha sido péssimo na cama, sempre distraído e demasiado rápido. Honestamente, tinham sido os piores trinta minutos de sexo da sua vida. Entrou na casa de banho e não resistiu a tomar um comprimido da felicidade instantânea, antes de entrar no duche, sentia-se ligeiramente enojado e deprimido. Ou andava a ficar velho para aquelas atividades com desconhecidas, ou a depressão começava a afetar-lhe a parte sexual, o que não era nada bom sinal, dizia-lhe o médico dentro de si. Uma leve azia nasceu-lhe no fundo da garganta, e João escaldou-se até ao limite do que a sua pele aguentava. Tinha de tirar aquele cheiro a perfume barato de cima, senão não conseguiria dormir, e só voltaria a casa de Marta e ao seu cadeirão fofo daí a três dias, tinha de descansar antes disso.
Arrancou os lençóis sujos da cama e procurou durante bastante tempo por uns lavados, pois nunca precisara de fazer uma cama de lavado na vida, encontrando-os no sítio mais óbvio e colocando-os atrapalhadamente por cima do colchão. A Dona Rosário iria ralhar com ele na manhã seguinte, mas se não tirasse os vestígios da Nélia daquele quarto não conseguiria dormir. Pegou no livro, esticou-se na cama e recomeçou a leitura da parte teórica, com a voz de Marta na sua cabeça como narradora, o que lhe pareceu lógico, já que ela era a sua professora, e aquele livro era dela. Adormeceu na página 10, com o conselho de uma alimentação leve e saudável antes de qualquer prática física, evitando gorduras animais, de difícil digestão.


- A Eduarda vai ser mãe. – comentou Isabel, animada com a notícia de que a melhor amiga conseguira finalmente realizar o seu sonho de engravidar, depois de alguns anos de dificuldade e sofrimento. – Ai sim?, que bom. – disse sem sequer a olhar. Aquele tema surgia de tempos a tempos como uma sombra a pairar sobre os dois, dissipando-se depois com as distrações do dia-a-dia das suas carreiras absorventes. – João, podíamos pensar nisso também. Não para já, que estás a iniciar o trabalho na Clínica e precisas de te dedicar a isso, mas daqui a um, dois anos. – sugeriu Isabel a medo. Sabia que o marido fugia do assunto, mostrando-se muito pouco interessado em ser pai, mas ela adorava um dia engravidar, ser mãe, cuidar de um bebé, e se para isso, tivesse que deixar a carreira, não pensaria duas vezes. – Isabel, ainda é cedo, e não tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia. - tentou desculpar-se, sem conseguir ser honesto com a mulher, que o olhara magoada. Depois da morte de Filipe, o seu primeiro “filho”, não teria capacidade emocional para passar por tudo de novo. A cara do irmão a desaparecer na água do rio ainda o assombrava em algumas noites. Não, ser pai nunca.

Acordou a sentir-se asfixiar, suado e completamente enrodilhado nos lençóis soltos, que o rodeavam como algas, verdes, compridas e peganhentas. João olhava-os e não reconhecia neles simples tecido, embarcava no seu delírio, sem se aperceber que já não dormia. Gritou desesperado, lutando contra o que o apertava, limitando-lhe os movimentos, quando conseguiu alcançar a luz da mesa de cabeceira e saiu da alucinação, olhando o quarto espantado, com a respiração acelerada e o coração prestes a sair-lhe do peito. Soltou-se dos panos, levantou-se e procurou na casa de banho o comprimido de SOS, agarrando no édredon caído no chão e arrastando-se até à sala. Sentou-se no sofá, embrulhado na colcha fofa e obrigou-se a respirar ritmadamente, com a cabeça apoiada nas mãos. Ainda faltava bastante para nascer o dia, lamentou-se angustiado. Pensou em telefonar para casa dela, mas conseguiu resistir à tentação, seria uma loucura acordá-la a meio da noite para lhe pedir que cantasse aquele mantra  que aprendera de tarde, e simplesmente não se conseguia recordar. Om shanti… qualquer coisa. A letra era estranhíssima, mas a música agradara-lhe bastante, especialmente cantado por ela. Teria de lhe pedir para a gravar a cantar, com a desculpa de que aprenderia mais depressa. Aquilo era calmante, e ajudaria bastante nas noites de pesadelos, concluía, esticando-se no sofá a imaginar os cânticos da tarde. 



O dia passou devagar, torturante, com a dor de cabeça a afundar-se cada vez mais, resultado da crise de pânico da noite anterior, e a ideia de que não teria aula no fim daquilo tudo ainda o deprimia mais. Felizmente não teria de ir para casa, era esperado em casa de César para o habitual jantar das sextas-feiras, em que se juntavam já como uma tradição, bebiam uns copos e falavam de tudo e de nada. Uma terapia de terapeutas, que chegavam ao final da semana carregados de más energias, como dizia Elisabete. A mulher do amigo tinha toda a razão, pensava João, e mantinha-os assim minimamente controlados, não permitindo que embarcassem nas doideiras dos outros, pois já lhes bastavam as suas. Só teria de passar rapidamente em casa, trocar de roupa, tomar qualquer coisa para a dor de cabeça e acabaria mais um dia difícil.

Chegou a casa dos amigos demasiado cedo, lamentou-se, ao ver a azáfama que ainda ia na cozinha, e ficando demasiado solitário na sala, agarrado a um copo de vinho, sem paciência para ver televisão ou distrair-se com outra coisa qualquer. Ofereceu-se para pôr a mesa e agradeceu a oportunidade de ocupar a cabeça, a imagem das algas ainda o ensombrava de vez em quando, arrepiando-o e aquecendo-lhe a cara.
- Quatro pratos? – perguntou curioso com a companhia do jantar que ainda ninguém tinha mencionado.
- Sim, convidei uma amiga. – explicou Elisabete falando alto de dentro da cozinha, bem no momento em que a campainha tocou. – Olha, já chegou! Podes ir abrir João?
- Sim, eu vou lá. – respondeu meio contrariado. Gostava muito daqueles momentos privados entre os três. Se vinha um estranho para jantar não poderia falar sobre o que lhe apetecesse, lamentou, abrindo a porta. – Marta? – olhou-a espantado a sorrir, sendo também observado com espanto.
- João? Mas… Também aqui estás? – perguntou incrédula com aquela coincidência feliz. Tinha pensado nele todo o dia, desanimada com o facto de apenas o ir rever na segunda-feira, e ali estava o seu aluno preferido, a abrir-lhe a porta.
João cumprimentou-a com dois beijos, pela primeira vez, sentindo-a corar e estranhando aquela Marta que ficara sem jeito e envergonhada, talvez se sentisse intimidada na casa de outras pessoas, concluiu, indicando-lhe o caminho até à sala.
- Então, esta era a tua amiga? – sorriu-lhe – Pensava que ias sair com alguma “amiga” das outras.
Marta sentiu-se a ficar escarlate, ele conseguia ser tão indiscreto, e Elisabete sabia que ela não era lésbica nenhuma, pensava nervosa com aquilo tudo. Não queria que ele se zangasse com ela por causa da mentira que inventara estupidamente, e que cada vez crescia mais. Precisava de lhe contar a verdade, concluiu. E fosse o que Deus quisesse.
- João, preciso de falar contigo sobre uma coisa. – começou a confissão, quando o casal anfitrião os veio interromper, cheios de comida nas mãos e solicitando ajuda para colocar o jantar na mesa.
- Ok, não te esqueças de onde vais. – disse João, chamando-a para a mesa e sentando-se animado com o cheiro da comida.
- Então já se conhecem? – perguntou César curioso com a excitação do amigo.
- Ah, sim. Eu ainda não tinha dito anda, mas fui experimentar o Yoga. – confessou João.
- Foste? Mas eu não te vi lá na escola. – perguntou Elisabete espantada, olhando alternadamente para Marta, que corava ainda mais, e João, que sorria com naturalidade.
- Eu estou a dar-lhe as aulas em minha casa. Ele apareceu-me lá a pedir aulas privadas, e como o Filipe foi com a cara dele, eu aceitei. – explicou Marta meio a gaguejar.
César fez uma nota mental sobre aquele pormenor em particular, o facto de ela mencionar o nome de Filipe e João não reagir emocionalmente, mais tarde iria pensar sobre aquilo.
- E quem é o Filipe? – perguntou genuinamente curioso.
- É o cão. – respondeu João com naturalidade.
- Sim, o companheiro de sesta aqui do rapaz. – brincou Marta servindo-se de salada.
- César, não comeces com os teus scaners profissionais. – recriminou João incomodado, ao ver o olhar interessado do amigo naquelas revelações sobre os últimos dias em casa de Marta. – Adormeci por causa de um exercício de respiração… o Prayama…
- Pranayama. – corrigiu Marta instintivamente.
- Isso. – agradeceu, enchendo-lhe o copo. – E o cão deitou-se em cima de mim.
- Isto está muito bom. – comentou Marta olhando Elisabete e piscando-lhe o olho.
- Obrigada, querida. Espera até provares a sobremesa.


O jantar arrastou-se mais do que o normal, até terminarem todas as garrafas de vinho e a sobremesa ter sido comida até à última migalha, descontraídos uns com os outros, numa conversa que parecia não acabar. César analisava tudo aquilo com um interesse para além do profissional, pois João era-lhe muito querido como amigo. Queria vê-lo feliz, a ultrapassar a depressão que arrastava desde os 14 anos, e um dia deixar de lhe prescrever drogas. Não fazia sentido um homem novo tomar tanta porcaria, se assim se mantivesse iria ter dificuldades sérias na velhice. E aquela Professora de yoga, embora lésbica e amorosamente inacessível a João, parecia conseguir normalizá-lo de alguma maneira. 
- Bem, agradeço-vos imenso o convite, mas o Filipe está para lá sozinho e tem medo do escuro. Tenho de voltar para casa. – levantou-se e despediu-se do casal anfitrião – Adorei o jantar e este bocadinho. – olhou para João e, sem intenção de lhe tocar despediu-se também. – Então, até segunda.
- Eu também vou. – disse num impulso. Ainda era cedo e talvez ela quisesse ir ao Bar do Salvador beber qualquer coisa, pensou, desistindo automaticamente da ideia ao imaginar a Nélia a agarrar-se a ele e estragar a noite. – Acompanho-te até lá abaixo.
- Ok, obrigada. – disse a sentir um formigueiro na barriga. – Queria ir para casa e afastar-se rapidamente, precisava de distância daquela energia que sentia vinda dele, que a punha meio tonta e vulnerável. Ou talvez fosse só efeito do vinho, pensava, olhando-o a chamar o elevador.
Entraram no cubículo apertado e o silêncio crescia, tornando a viagem dolorosa. Olharam-se e Marta viu nos seus olhos a intenção de a beijar, ficando hipnotizada naquela expectativa, sem saber como reagir, mas desejando que ele o fizesse. Um leve movimento na sua direção denunciou que ele ia avançar, quando subitamente a porta se abriu e um casal de idosos sorriu educadamente à espera que eles saíssem, pois já tinham chegado ao rés-do-chão e não se haviam apercebido.
Saíram meio desajeitados com aquele momento incómodo, e Marta caminhou rapidamente até ao local onde tinha o seu pequeno Jipe estacionado, procurando pelas chaves furiosamente enquanto se aproximava do veículo. Teria de resolver aquele mal entendido rapidamente, censurava-se com cólicas na barriga. Que trapalhada para ali estava, parecia o interior daquela carteira, pensava angustiada.
- Queres ir conhecer a minha casa? – perguntou João colocando um braço no tejadilho do carro, bem perto dela, sem ser capaz de racionalizar o que estava a fazer, afinal ela não seria susceptível a avanços amorosos vindos dele.
- Não sei se é boa ideia… - confessou a sentir-se afogueada, sem o olhar, concentrando-se na busca pela chave perdida.
- Eu já conheço a tua. Agora tens de conhecer a minha. É justo. É aqui mesmo no prédio do lado. – se continuasse assim tão perto dela iria acabar por fazer um disparate, e podia estragar aquela amizade, recriminava-se, sem no entanto conseguir deixá-la ir.
Marta olhou-o furtivamente, decidida a não aceitar, mas aquela energia começava a envolvê-la como uma teia, sentindo-se a amolecer na sua direção. 
- Bem, só se for muito rápido… o Filipe não gosta de estar sozinho à noite. – balbuciou, encontrando naquele momento a chave e largando-a logo de seguida dentro da carteira.
João teve vontade de dizer “Yes!”, mas conteve-se, afinal aquilo eram fantasias apenas da sua cabeça, ela não tinha as mesmas sensações animais relativamente a si, estando apenas a ser educada, e não poderia ofendê-la ou ser grosseiro. Gostava cada vez mais da sua companhia, não iria estragar tudo, prometeu a si mesmo.

(direitos reservados, AFSR)
(imagem, internet)

Sem comentários:

Enviar um comentário