quinta-feira, 16 de julho de 2020

"Safara" - Final



Teresa insistira em dormir na noite anterior ao casamento na sua casa no centro de Safara, argumentando que Manuel não poderia ver o vestido antes da cerimónia, deixando-o ligeiramente ansioso e carente. Desde que voltaram para o Alentejo que não a deixava sozinha, ausentando-se apenas para trabalhar, mas aparecendo variadas vezes para se certificar de que estava tudo bem, com a desculpa de que se esquecera de algo em casa, ou tinha fome. Teresa desconfiava que Manuel também temia que ela fugisse de novo, o que a fazia sentir-se culpada e angustiada, e por isso fingia que compreendia a sua presença constante, fazendo-o pensar que era mesmo necessária a sua ajuda para coisas simples, como atar um sapato, ou tirar um copo de um armário alto. Faria tudo para lhe minimizar o medo e a ansiedade. Mas aquela noite seria só dela e de Fernanda, ali na pequena casinha de Maria, e depois do jantar despediu-se demoradamente de Manuel, e obrigou-o a ir sair com o Francisco que já amuara porque irmão não queria despedida de solteiro, afinal iam casar no mesmo dia e Manuel estragara-lhe os tradicionais planos de divertimento masculino.
Entrou em casa, satisfeita por conseguir expulsá-lo com sucesso e abraçou-se a Fernanda, carente de mimos maternais. Não tinha qualquer dúvida de que queria casar com Manuel, era perdidamente apaixonada por ele, mas queria entrar na Igreja e ver o seu espanto na cara. Que piada tinha o noivo ver a noiva a arranjar-se? Todo o mistério e fantasia próprios do dia desapareceriam, e ela queria viver tudo aquilo intensamente.
Conversaram as duas até Teresa adormecer na cama, de pernas enlaçadas com a mãe, e dormiu como um bebé, a sorrir.

Rita bateu à porta de Teresa ainda o dia mal tinha nascido, sem se calar um minuto, consequência dos nervos em franja por se ir casar, e com Francisco, o toureiro dos seus sonhos, e dos sonhos de muitas raparigas das redondezas. Precisavam de ir ao cabeleireiro, comer, fazer a maquilhagem, vestir os vestidos de noiva, tirar fotografias, e rezar para que tudo corresse bem, enumerava Rita sem respirar.
- Tem calma, mulher! Até parece que ainda estás virgem e vais ser lançada aos lobos! – ralhou Teresa, já a sentir-se embarcar naquela espiral de loucura da amiga.
- Não te contei uma coisa, Teresa. – confessou corando.
- Ai, o que foi agora? Não estás com dúvidas, pois não? – perguntou Teresa ansiosa com o ar constrangido da amiga.
- Não! Nunca estive tão certa na vida. – disse decidida – O problema é que naquele dia da tourada, lembras-te? Quando aconteceu o acidente com o Francisco… bem, de manhã, na Igreja, ele veio meter-se comigo, sentou-se à minha beira e… apalpou-me toda durante a Missa. – gemeu quase sem cor.
- E…? – perguntou Teresa sem perceber o rumo da conversa.
- E… não ouviste o que eu disse? Apalpou-me toda, entendes? Cima, baixo… - gesticulou com a mão a demonstrar os sítios em que Francisco lhe tocara.
- Na Missa? – Teresa soltou uma gargalhada forte, olhando a amiga com divertimento.
- Não te rias… Foi um pecado enorme, Teresa. Eu tive o meu primeiro orgasmo ali mesmo. Debaixo das barbas do padre.
A amiga caiu para cima da cama, a perder as forças de tanto rir, segurando a barriga. Aquela enfermeira era demasiado cómica.
- Ai, para, por favor. Já me doem os músculos da barriga de tanto rir, isto até pode fazer mal à criança. – implorou, limpando as lágrimas.
- Tu não me entendes, eu não vou poder comungar! Não me confessei depois disso, e nunca mais o vou fazer. – lamentou-se, sentando-se na beira da cama, genuinamente preocupada.
- Rita, por favor, cala-te! Ainda tenho o bebé antes de tempo por causa das tuas maluqueiras! – exclamou Teresa, abraçando-a. – Não te preocupes, eu também não me confessei, vou engolir a hóstia e pronto.
- Estou perdida. – disse, esboçando um sorriso contagiada pelo ataque de riso da amiga.
O barulho da porta da rua interrompeu as confidências de Rita, que se sobressaltou com uma voz de homem vinda do rés-do-chão, lembrando-se logo de seguida que tinha pedido ajuda ao Dr José, conhecedor de truques e técnicas de maquilhagem dos tempos em que competia nas danças de salão.
- Deve ser o José! – exclamou com entusiasmo – Sobe! Estamos cá em cima!
- Posso? – perguntou meio encavacado, não tinha muita confiança com Teresa, que apenas conhecera pessoalmente há alguns dias e secretamente sentia-se usurpador do seu local de trabalho, o que o deixava bastante desconfortável.
- Entra, desculpa a confusão do quarto, mas ainda não começámos a preparar nada… - disse Teresa enquanto fazia rapidamente a cama, envergonhada com o estado da divisão. Recordou-se imediatamente de Maria Rosa, que abominava desarrumação e que lhe dizia em pequena “uma cama feita é meia casa arrumada!”, sentindo uma pontada leve no abdómen que a fez sentir calafrios. Teria de descansar mais, pensou preocupada, sentando-se discretamente, o bebé já andava a ficar farto de tanta agitação.
- Vamos lá então dar início aos trabalhos! – regozijou-se José, mostrando uma maleta com um aspecto profissional.
- Mas o que é que trazes aí? – perguntou Rita desconfiada e meio insegura.
- Meninas, não vos vou maquilhar com as vossas patéticas sombras, não é? Isto é material de primeira, para ocasiões especiais! – disse cheio de si, permitindo-se fugir um pouco aos modos contidos e sóbrios que adotava diariamente no trabalho e frente a desconhecidos.
- Até tenho medo… - exclamou Rita.


- Então meninos, nervosos? – perguntou António emocionado com a chegada do grande dia. 
- Eu não! – disse Francisco confiante, sentindo um tremor nos joelhos que o fez encostar-se ao muro do adro da Igreja. 
- Eu também não! – respondeu logo de seguida Manuel, imitando o irmão.
- Pára de fumar, Francisco! Vais ficar a cheirar todo a cigarros. – advertiu António, sacudindo umas cinzas do ombro do toureiro.
- Manuel, Francisco, vocês deviam ir entrando, o Sr Padre já está com os tiques! – disse Maria dos Prazeres nervosa com os olhares de censura que o prior lhe deitava pelo atraso dos noivos.
- Vá, vamos, mexam-se. – António empurrava os dois irmãos para a porta da Igreja – Não me quero chatear hoje com o Padre.
- Manuel, depois tenho um número de telefone para te dar, lembra-me no final. – confidenciou Francisco ao ouvido do irmão.
- Número? Qual número? – perguntou confuso.
- Daquela casa em Moura, sabes? Acho que vais precisar para a tua lua-de-mel! – gozou Francisco, divertido.
- Tu livra-te de te pores com essas piadolas à frente da Teresa! – exclamou Manuel baixinho, ao mesmo tempo que cumprimentava com a cabeça, sorrindo, os familiares que já se haviam alinhado nos bancos da Igreja.
- Depois não me venhas cá chatear, era para teu bem. – continuou animado.
- Calem-se os dois, as noivas chegaram! – ralhou Maria dos Prazeres, ajeitando as gravatas dos irmãos e voltando para o seu lugar junto do marido.
A música iniciou, fazendo com que todos se voltassem ao mesmo tempo para a entrada das noivas, que já se distinguiam na porta demasiado iluminada, criando uma áurea de misticismo e surpresa com a claridade vinda da rua que contrastava com o interior fresco e escuro da Igreja. Teresa e Rita caminhavam ao mesmo tempo, de braço dado com Pedro e Mário, respetivamente, absorvendo toda aquela energia positiva que podiam sentir vinda dos convidados e alguns curiosos, que enchiam completamente a sala, tornando difícil distinguir quem quer que fosse.
- Ainda estamos a tempo de fugir… - disse Francisco com a garganta a secar violentamente.
- Shhhh! – exclamou o Padre já chateado com a converseta junto ao Altar.

Teresa e Rita aproximaram-se dos noivos e, depois de um momento de pausa para que Francisco recuperasse as cores e bebesse um gole de água fresca que a tia Miquelina trazia na carteira, o Padre deu início à cerimónia, satisfeito. O Coro paroquial esmerou-se nos cânticos, levando várias senhoras às lágrimas nos momentos dedicados à música, e já de alianças trocadas, chegou o momento da Sagrada Comunhão, o que provocou em Teresa um sorriso, apreciado pelo Padre.
Depois do ritual próprio, a vez dos noivos comungarem chegou, e Teresa iniciou um riso baixinho, apertando a mão de Manuel, em busca de apoio, que não entendia onde estava a piada e a olhava curioso. Francisco recebeu a hóstia, compenetrado e o Padre chegou-se a Rita, que hesitava em abrir a boca, estendendo por fim a mão esquerda, onde foi colocado o pequeno pedaço de “Cristo”, e fingindo que o colocava na boca, manteve-o guardado sem que ninguém desse conta. Teresa percebeu a manobra e iniciou uma série de convulsões de gargalhadas sem som, deixando todos surpresos com aquela reação inusitada num momento tão solene da celebração. Rita corava cada vez mais e sentia a hóstia a desfazer-se lentamente dentro da sua mão quente e suada de nervos. O Padre tentou variadas vezes terminar a comunhão dos noivos, mas sempre que chegava a hóstia a Teresa, ela recomeçava o riso histérico e contagiante, acabando por desistir de oferecer o “corpo de Cristo” à médica, que pediu imensas desculpas por gestos, sem conseguir articular uma palavra sequer.
A cerimónia terminou, com palmas aos noivos, que se beijaram no Altar, e terminados os protocolos da Sacristia, saíram para regozijo da multidão de convidados que os esperavam carregados de pétalas misturadas com arroz. Caminharam os quatro em direção à charrete sumptuosa que António mandara polir e enfeitar, puxada por dois elegantes cavalos e conduzida por um cavaleiro vestido a rigor, quando Francisco estendeu a mão a Rita para a auxiliar a subir para o veículo alto e sentiu algo na sua mão.
- Mas que porcaria é esta? – exclamou, abanando a mão para se soltar do pedaço de hóstia languinhento.
- Cala-te, Francisco, por favor. – suplicou Rita, subindo para a charrete sem ajuda, vermelha até às orelhas.
- A sério, o que era aquilo? – perguntou enojado depois de se sentar ao lado da mulher.
- Era o Corpo de Cristo… - gemeu Teresa, já com dores abdominais de tanto rir, encostando-se a Manuel que a segurava divertido.



António recebeu todos os convidados com um entusiasmo e alegria contagiantes, sendo apoiado por Maria dos Prazeres, que fazia as delícias do marido, distribuindo simpatia por todas as mesas corridas que enchiam o jardim traseiro da herdade. S. Pedro tinha colaborado, felicitava-se António, que atribuía todas as recentes venturas ao trabalho exaustivo que o Padre levara a cabo durante um dia inteiro, benzendo todos os cantos da casa e anexos, começando pelo interior e acabando de tarde na adega. Essa zona específica levara bastante tempo a concluir, e só saíram de lá satisfeitos depois de algumas provas de vinho, cortesia do patrão, grato pela dedicação do pároco local.
O almoço já terminava, com empregados a distribuir cafés e aguardente caseira sem parar, quando António se levantou e deu a entender que iria discursar, fazendo-se automaticamente silêncio por toda a festa.
- Caros amigos, obrigado a todos por estarem aqui hoje presentes a testemunhar a alegria que é casar um filho, o que para mim e para a Maria é sentido a dobrar, com o casamento do Manuel e do Francisco com Teresa e Rita. Alguns de vocês já sabem, outros ouviram dizer, mas eu revelo-vos que estes dois rapazes são irmãos, gémeos, e um deles, em bebé, veio cair-nos nos braços. – fungou, tossindo para disfarçar a emoção que o assunto e a terceira aguardente lhe provocavam – Foi uma pena não terem vindo os dois, teria sido uma alegria muito grande, mas agora estão aqui, e daqui não saem mais! Proponho um brinde aos meus filhos, noras, irmã, neto quase a nascer… e à minha Maria. – agarrou nos ombros da mulher, que se mantinha de pé ao seu lado, em solidariedade às suas palavras, e beijou-a com dramatismo, levando a multidão ao rubro, dando vivas, assobiando e batendo palmas.
- À nossa! – gritou, levantando o copo na direção de todos.
- À nossa! – responderam quase em uníssono.
Teresa estendeu o seu copo de água, com lágrimas de alegria no rosto, depois de beijar Manuel, que também se emocionara com as palavras do pai, quando uma guinada mais forte que as que sentira durante todo o dia a perfurou, obrigando-a a sentar, pálida.
- O que foi? – perguntou Manuel nervoso com o ar aflito de Teresa. – Sentes-te bem? Dr! Chegue aqui, depressa! – berrou na direção de José, que correu para eles ansioso.
- O que é que sentes, Teresa? É melhor ela se deitar um pouco lá dentro. – disse com o ar mais calmo e profissional que conseguiu fazer.
Francisco, Rita, António, Maria, Fernanda e Pedro seguiram os noivos e o médico até ao quarto de Manuel, nervosos com aquele mal-estar súbito de Teresa, que continuava a empalidecer e sem falar grande coisa. José e Rita esmeravam-se por tentar perceber o que estava a acontecer com a médica, fazendo inúmeros testes caseiros de despiste de opções, indigestão, tensão baixa, nada parecia explicar o ar combalido de Teresa, já que o parto apenas era esperado no mês seguinte. Manuel começava a transpirar no colarinho, que o estrafegava, arrancando a gravata para se libertar do calor e da tensão que se lhe acumulava no pescoço. A ansiedade dominava-lhe as reações, afastando tudo e todos de Teresa, para que ela respirasse em paz, e conseguisse recuperar.
- Manuel, chama a tia Miquelina, por favor. – pediu-lhe Teresa baixinho ao ouvido, certa do que estava a acontecer.
- A tia Miquelina? – surpreendeu-se, levantando-se confuso e correndo até à festa para encontrar a velha senhora.
- Teresa, o que foi? O que é que sentes? – perguntou Rita ansiosa.
- Acho que me rebentaram as águas. – confessou a entrar em pânico com a ideia de não conseguir chegar a tempo a um hospital.
- Calma, Teresa. Já aqui está a tia! – gritou Manuel já a perder as estribeiras, levando várias pessoas à frente, sem se aperceber.
- Oh minha querida, o que é que se passa? – disse Miquelina calmamente, agarrando-lhe na mão maternalmente – Saiam todos, por favor, tenho de ver aqui uma coisa. – ordenou, olhando também na direção de Manuel que se recusou a obedecer.
- Deixe-o ficar, por favor. -  pediu Teresa, dando a mão a Manuel que se colocou na sua cabeceira.
- Modernices! – resmungou a velha desagradada. – Isto não são assuntos de homens! Mas a menina lá sabe. – levantou as longas saias de Teresa, e com um ar profissional e experiente verificou a dilatação da médica, esbugalhando os olhos e deixando o casal apavorado.
- O que foi? – berrou Manuel a sentir-se cada vez mais descontrolado.
- Querida, o bebé está quase a nascer! – disse, sorrindo sem dentes – Não sentiu nada o dia todo?
- Sim… quer dizer, umas pontadas, de vez em quando… - respondeu envergonhada com a sua incompetência enquanto médica e conhecedora das teorias da gravidez – Ai…- gemeu, respirando com dificuldade.
- Umas “pontadas” dessas? – ironizou Miquelina, abanando a cabeça. – Bem, vamos lá trazer esse tesouro ao mundo! – benzeu-se e dirigiu-se à casa de banho para lavar as mãos. – Menino, já que aqui ficou, vá buscar toalhas lavadas e qualquer coisa para proteger o colchão. Ah e alguém que traga a mala do bebé!
Manuel saiu meio cambaleante do quarto, obedecendo aos pedidos de Miquelina, com receio de que a velha não tivesse conhecimentos suficientes para ajudar Teresa e o seu filho, se algo corresse mal. Quando voltou, Teresa já mudara de roupa, vestindo uma camisa de noite leve e na companhia de Fernanda e Rita conversava com Miquelina, que lhes explicava como tinha sido o parto de Manuel e Francisco, bem mais difícil do que aquele iria ser. A espera de um bebé fazia-se assim, de conversas e mimos às mães, que aquilo não era “atar e pôr ao fumeiro”, como as pessoas pensavam. O bebé fazia metade do caminho sozinho e a outra metade era a mãe que ajudava. Ainda não tinham lá chegado, explicava calmamente. Teresa começava a sofrer de contrações fortes, sinal de que tudo caminhava como devia, agradecia Miquelina aos céus, dando palmadinhas nas costas de Manuel, que já só mantinha as calças e a camisa do fato completo que vestira de manhã.
A restante família rondava a porta do quarto sem parar, sempre à espera de ouvir o som do bebé, atentos a qualquer movimento ou barulho.
Francisco entrava e saía do corredor, indo lá fora fumar ocasionalmente, para se manter calmo, enquanto António, Maria e Pedro conversavam sobre toiros, sobreiros e toda a logística de uma herdade, para enganar o tempo e desanuviar o ambiente tenso.
A maioria dos convidados mantinha-se estoicamente à espera, curiosos com o pequeno herdeiro que decidira nascer no meio de quase todos os safarenhos. Até o Padre se deixara ficar à mesa, pois ali estava uma bênção que não se via todos os dias, casar duas pessoas e benzer o filho recém-nascido no mesmo dia!
Um breve silêncio nas movimentações do quarto de Manuel puseram todos os familiares em sentido, quando surgiu um som suave de choro de bebé, tão delicado e musical, que até a multidão da festa fez silêncio. Manuel abriu a porta momentos depois, saindo devagar, com um pequeno embrulho ao colo, atónito com a emoção que sentia, sorrindo de orelha a orelha. Rita mantinha-se atrás dele, receosa de que ainda viesse a desmaiar e a cair redondo no chão, ficando atenta a qualquer movimento estranho.
- É uma menina… - conseguiu dizer, olhando António que chorava como uma criança, agarrado a Maria.
- Benza-te Deus! – exclamou Maria dos Prazeres, beijando a testa da bebé e sendo imitada por todos os presentes.
- E então, já decidiram o nome? – perguntou o Padre, que se colocara também junto à porta, curioso para ver o mais novo membro da comunidade.
- Maria Rosa. – disse Manuel comovido.
Rita aproximou-se de Francisco, a limpar umas lágrimas de emoção e nervos.
- Não vou aguentar isto, quando for contigo! Acho que não quero ter filhos… - sussurrou aos ouvidos de Rita, que o abraçou carinhosa. Aquele homem era tão romântico e amoroso sem o saber, que a deixava completamente  enternecida.
- Não quero ser desmancha-prazeres, mas acho que já não vais a tempo. – confessou dando-lhe um beijo.
- Como assim? – exclamou Francisco, separando-se do beijo que o distraíra momentaneamente.
- Estou grávida. – disse-lhe Rita sorrindo.
- Preciso de me sentar… - pediu, escorregando pela parede até ao chão – Rita, tu dizes-me isso assim, num dia destes…com… bem… quer dizer, isso é bom, não é?... – esforçava-se por se manter coerente com dificuldade em articular os pensamentos.
- Gémeos! Vamos torcer para que sejam gémeos! – acrescentou com entusiasmo, colocando-se de cócoras e beijando-o novamente.
- Para, que ainda ficas viúva…- suplicou Francisco, desapertando a gravata para respirar.

Manuel manteve-se possessivamente agarrado à filha, apenas permitindo que os curiosos espreitassem o pequeno bebé, falando-lhe de tudo o que se lembrava, curiosidades, sonhos que tinha para eles os três, como se montava um cavalo, quem eram os safarenhos que interessavam e os que ela estava proibida de levar lá a casa, dando tempo a Teresa de se recompor. A bebé ficou inquieta, precisava de comer, avisou a tia Miquelina, tirando-a com dificuldade dos braços do pai e devolvendo-a à mãe e sugerindo que Manuel fosse comer também qualquer coisa e beber um espumante para a bebé sossegar.
Manuel obedeceu contrariado, caminhando lentamente até à festa, onde Francisco já recuperara as cores do choque da notícia de que iria ser pai.
- Parabéns! – brincou, dando-lhe umas palmadas nas costas.
- Devíamos ter fugido, qualquer coisa me dizia que era melhor sair pela sacristia… - resmungou Francisco ainda abananado. – É verdade, toma lá. – disse, estendendo-lhe um cartão de contactos.
- O que é? – perguntou Manuel inocentemente.
- O número que vais precisar. Pelo menos quarenta dias de resguardo, disse-me a Rita há bocado. – explicou sorrindo.
- Dá cá isso! – ralhou Rita, arrancando o cartão das mãos de Manuel, furiosa com o marido. – Ainda me vais explicar muito bem explicadinho porque é que tens estes números no bolso!
- Ainda agora casámos e já me trata assim… - lamentou-se divertido, agarrando-a pela cintura – A tua sorte é que fazes muito bem aquela açordinha…

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(imagem, internet)

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