terça-feira, 28 de julho de 2020

"A Mala Vermelha" - Capítulo 8



Nélia caiu para o lado vazio da cama, estoirada com aquela abordagem animal que não sabia que João possuía. Da primeira vez fora patético, mas naquela noite parecia outra pessoa, determinado, possessivo e sexy. Talvez começasse a gostar da sua companhia, desejou esperançosa, posicionando-se de lado, à espera que ele a olhasse apaixonado. João levantou-se, pegou na carteira, tirou uma nota e poisou-a na mesa de cabeceira.
- Chama um táxi, está aqui o dinheiro. – disse, sem sequer a olhar, enfiando-se cobardemente na casa de banho e fechando a porta.
Ficou a olhar o dinheiro, com os olhos rasos de água, sem reação. Depois de uns minutos de perplexidade, começou a pensar novamente e vestiu-se, sentindo uma humilhação que a queimava por dentro. Já tinha alcançado o limite da dignidade, sentia-se uma puta. Pegou na nota, saiu porta fora, entrando apressada no elevador enquanto olhava a sua figura ordinária no espelho. Uma mulher suja e descabelada mirava-a com pena, recriminando-a. Duas lágrimas grossas caíram dos olhos da sujeita, e Nélia chorou com ela, explodindo de raiva.

Engoliu dois comprimidos inteiros, depois de dar dois murros na porta da casa de banho, e quase partir um dedo. Marta não lhe saíra da cabeça o tempo todo, imaginando-a na sua cama, fantasiando que a outra era ela, a que realmente queria que ali estivesse. Salvador tinha razão, lamentou-se agoniado, estava apaixonado pela professora. Meteu-se no duche e deixou-se ficar tempo suficiente para que Nélia já tivesse desaparecido de sua casa, não conseguiria encará-la. Fora uma autêntica besta, pensou, engolindo em seco.
- Menina Isabel! – exclamou Adelaide em êxtase ao ver a sua querida menina, depois de tanto tempo, à porta de casa.
- Dazinha… - caiu-lhe nos braços, largando as malas, e matando as saudades daquele abraço caloroso e forte.
- Entre, entre, mas que horas são? Veio a conduzir sozinha a estas horas da noite? – reagiu preocupada, depois de se recompor.
- Ainda não é meia-noite. Mas está tudo bem, eu vim devagar. – descansou-a – O que interessa é que cheguei, sã e salva. Os meus pais já estão a dormir? – perguntou enquanto olhava a sua casa com carinho, apercebendo-se de que tinha muitas saudades de tudo aquilo.
- Já querida. Já dormem há muitas horas. Sabe como é, o seu paizinho deita-se com as galinhas! – brincou, ajudando-a a carregar as malas até ao quarto.
- Então deixemo-los descansar. Amanhã de manhã faço-lhes uma surpresa! – beijou a empregada carinhosamente e poisou as suas coisas na cama de dossel. – Também preciso de dormir. E tomar banho! – sorriu de orelha a orelha imaginando a sua banheira.
- Faça isso menina. Quer que lhe traga uma frutinha e um chá? – perguntou emocionada com a visão da sua menina de volta em casa, como antigamente.
- Se não for dar muito trabalho… - abraçou-a, enquanto a empregada saía do quarto diligente.
- Nunca foi trabalho. – beijou a face de Isabel e saiu a fungar, limpando os cantos dos olhos com um pequeno lenço de tecido.
Isabel fechou a porta, olhou em volta e deu um abraço em Filipe, que se colocou de pé, com as patas possessivas em cima dela. 
- Não te preocupes, ele já não vive cá. – descansou o animal que certamente tinha medo daquele lugar. Tinham vivido horrores naquele quarto, mas Isabel esforçava-se por só visualizar o passado feliz da sua infância e adolescência, antes de Tiago ter entrado nas suas vidas, quando aquele quarto era o palco de histórias de princesas e cavaleiros apaixonados, e o futuro era uma doce expectativa no coração de uma menina sonhadora.
Libertou-se do cão, despiu-se e encheu a banheira, entrando devagar. Que saudades… pensou feliz.

“- Odeio-te, deixa-me em paz! – gritou Isabel, fechando a porta do quarto na cara de João. – Deixa-te de histerismos! – berrou-lhe de volta, dando uma palmada na porta. Aquele casamento estava a ir por água abaixo, pensou, farto de tudo aquilo. – Eu só queria um filho, egoísta de merda! – exclamou descontrolada de dentro do quarto. João sabia que um dia ela lhe iria atirar aquilo à cara. Agora era tarde demais, Isabel não poderia engravidar nos próximos anos, teria de tratar o cancro primeiro. Era óbvio que ela temia morrer, sabia-o, e ele não lhe tinha concretizado o sonho antes disso. Engoliu em seco, pegou nas chaves e saiu. Se ela morresse não teria hipótese de se redimir. Mais uma culpa para juntar ao rol.”

- Dr. João, Dr.! – chamou Diana, receosa de que o patrão a repreendesse por estar a interromper o seu transe habitual.
- Sim? – olhou-a desconcertado, confuso com todas as lembranças que o perseguiam desde sábado à noite.
- Posso mandar entrar a paciente? – já estavam atrasados nas consultas, o médico estava particularmente pouco eficiente naquela segunda-feira, e as pessoas começavam a reclamar na sala de espera.
- Sim, claro. – respondeu sem vida.
- Dona Sara Mendes, pode entrar por favor. – indicou Diana, abrindo mais a porta para a senhora de meia idade.
- dona… - rosnou João baixinho, recriminando a forma pouco educada de se chamar uma Senhora daquelas. Mas seria possível que só lhe arranjassem funcionárias burras? – Bom dia Sara, como vai? – cumprimentou-a cerimoniosamente, deixando-a sentar primeiro, e depois retomando o seu lugar na cadeira em frente.
- Bom dia Dr., estou um pouco melhor, acho eu. – confessou pouco convencida, descontraindo na cadeira.
- Bem, já é um começo. Tem feito a medicação que lhe receitei? Dorme melhor?
- Sim, tudo direitinho, durmo muito bem. Pareço uma pedra, acordo de manhã fresca que nem uma alface! – brincou, dando uma leve gargalhada, de olhos tristes.
- Mas…
- Mas… dormir bem não é o suficiente. 
- E o que acha que seria o suficiente para si?
- Um pouco de atenção, que o meu marido me olhasse de vez em quando… - confessou envergonhada.
- Sim, seria o mínimo que um marido deveria fazer pela mulher. – disse sentindo um buraco de culpa no estômago.
- Cada vez estamos mais afastados. Não consigo alterar o rumo que o nosso casamento está a levar. 
O telefone interrompeu a consulta, deixando João aborrecido.
- Peço desculpa Sara, deve ser urgente para a minha secretária estar a ligar. – desculpou-se, atendendo o telefonema.
- Faça favor, Dr. Não se preocupe.
- Sim? – disse bruscamente.
- Dr., tenho ao telefone uma senhora que insistiu muito em falar consigo, diz que é urgente, não consigo despachá-la… - explicou Diana em pânico.
- Mas quem é? 
- Uma tal de Ganesha. – temia ouvir um berro do outro lado da linha, a mulher devia ser uma lunática qualquer e ouviria poucas e boas do patrão.
- Passe. – disse secamente, sentindo o coração a explodir de entusiasmo. Era ela! – Desculpe, é uma chamada importante, serei rápido. – informou a paciente, que o olhava curiosa. – Estou?
- Olá. Estou a interromper? – Marta sentia o coração na boca, a atrapalhar-lhe o discurso.
- Não. Ainda bem que ligaste… - murmurou para o telefone, virando-se ligeiramente para o lado, para evitar o olhar da paciente.
- Não sei o teu número de telemóvel… e pensei que gostasses de saber que cheguei bem. – enrolava os dedos no cabo do telefone, nervosa.
- Ainda bem,… e o Filipe? Está bem? – perguntou, olhando na direção contrária da mulher que o examinava a ele e ao seu telefonema.
- Nem por isso… anda abatido, acho que tem saudades tuas… - sentiu toda a sua face corar de repente. 
- Só ele? – esfregava a mão livre na perna, nervoso.
- Não. – disse, depois de uns momentos de silêncio.
- Posso ligar-te mais tarde? – olhou a paciente com um sorriso amarelo, sentindo-se a escaldar de vergonha.
- Eu ligo. Vou pedir o teu número à deusa da caça! – brincou – Beijos. 
- Ok, até logo então. – desligou o telefone, encarando a senhora, que lhe sorria divertida, deixando-o ainda mais encavacado. – Uma chamada urgente… - pigarreou, retomando uma postura profissional, com a cara ainda a ferver.
- Não há problema nenhum. – disse educadamente a senhora, sorrindo com vontade. Era muito reconfortante sentir que aqueles médicos, normalmente tão seguros de si mesmos, também possuíam um lado humano, e este, estava apaixonado.
- Bem, dizia-me que gostaria de mais atenção, dedicação, é compreensível, uma vida inteira dedicada à família, quando os filhos começam a ser independentes, é normal as mães se sentirem subitamente sós.
- É isso mesmo, fiquei subitamente sozinha e isso põe-me triste e perdida. Mas é tudo uma questão de adaptação, certo? – perguntou esperançosa. Sem que ele tivesse percebido, aquele telefonema animara-os aos dois. Algo de muito simples lhe surgira na mente, a visão do que os seus próprios filhos deveriam sentir, agora que se dedicavam a outros amores, que não os maternais, e ela não os podia censurar. Era a paixão, o amor, o desejo que os apanhava desprevenidos, tal como aquele médico ficara ao ouvir a voz da sua paixão do outro lado do telefone. Completamente apanhado!


Saiu do quarto onde se isolara para fazer o telefonema que a deixara sem sono de domingo para segunda. A Dazinha tinha ficado de “orelhas em pé”, tal como o Filipe, tinham os dois um “faro” incrível quando o assunto eram os seus sentimentos. Precisava de a descansar de que estava tudo bem e a razão do seu nervosismo não era medo, mas entusiasmo por ouvir a voz dele… Parecera-lhe triste, abatido, mas mais logo telefonaria e descobriria o que se passava. Secretamente desejava que estivesse assim por sentir a sua falta, mas isso já seria pedir muito, concluiu pouco segura de si mesma. Porque haveria ele de se afetar com saudades, se apenas estava longe há um dia? Sacudiu os seus raciocínios da mente e entrou na cozinha, abrindo um sorriso franco ao ver o seu bolo preferido a sair do forno. 
- Ah! Que bom… Já te disse que te adoro?


- Tem aí o registo da chamada de há pouco? – perguntou a Diana, que se sobressaltou com medo de ser repreendida por ter passado um telefonema a meio de uma consulta e ter dado o número pessoal do patrão à mulher persistente que lhe deu a volta demasiado rápido.
- Sim, consigo ver isso, só um momento. – apressou-se a procurar o número nos registos do telefone moderno, encontrando-o prontamente. Ainda se recordava do indicativo diferente do de Coimbra. Pegou num post-it, escreveu rapidamente e entregou-lho sorrindo satisfeita. – Aí está!
- Obrigado, até amanhã. – João deu meia volta e saiu, colocando o papel no bolso. Sentia-se pior que um garoto prestes a entrar num parque temático, uma excitação neurótica invadira-o desde que Marta o surpreendera com o telefonema depois de almoço. Esforçara-se por se concentrar, mas na sua cabeça apenas imaginava Marta a consolar Filipe, tristonho pela sua ausência, e isso punha-o estupidamente feliz. Não via a hora de chegar a casa, tomar banho e esperar pelo telefonema dela. E enquanto ela não ligasse, iria descobrir mais algumas coisas sobre o seu passado, ou tentar, pois apenas tinha um número de telefone e poderia ser inútil na sua pesquisa. Algo lhe dizia que Marta não era bem a pessoa que ele imaginara quando a conheceu. Independentemente do que ela fosse, o que ele queria mesmo era descobrir que ela o tinha enganado, que lhe mentira, e tivesse um motivo digno para o ter feito.
Entrou no carro e conduziu o mais rapidamente possível até casa, queria privacidade para aquele telefonema, para a ouvir, sem interrupções nem distrações.

- Filipe! – gritou Isabel, já a perder a paciência com o comportamento irracional do cão. Desde que se embrenharam no jardim traseiro da casa que o animal mudara completamente a atitude. Passara de brincalhão a nervoso, correndo contra ela, colocando-lhe as patas e cima, descontrolado e agressivo. – Estás a magoar-me! Para! Eu desisto, vamos para casa. – deu meia volta e caminhava frustrada, quando um arrepio de frio a atingiu no pescoço, fazendo-a voltar-se de repente, gelada de medo. Algo se passava de facto, o cão tinha motivos para estar nervoso, alguém os estava a vigiar, tinha quase a certeza, pensava, acelerando o passo em direção à casa. Filipe corria a seu lado, também ele sem desviar a atenção das sombras fantasmagóricas que os ladeavam como um casulo sufocante. Isabel alcançava as imediações da casa quando deixou de ver Filipe a seu lado, aumentando-lhe os nervos. Olhou para trás e viu o cão parado, a fitar algum perigo, eriçado, pronto a atacar. Uma recordação antiga de Tiago a espancar o cão deixou-a em pânico, obrigando-a a voltar atrás para o trazer consigo para casa. – Filipe! Anda cá! – gritou, não sendo obedecida. Caminhou mais um pouco, sempre chamando o animal, que continuava fixado, sem reagir. – Filipe, por favor, volta… - gemeu, a sentir as pernas bambas, prestes a desmaiar. Como que sentindo o seu medo, Filipe correu na sua direção, espevitando o seu instinto de sobrevivência e dando-lhe ânimo para tornar a dirigir-se para a casa. Pararam a fuga histérica assim que atingiram um local seguro, respirando com esforço do sprint. Isabel confortou o cão, agarrando-o maternalmente, e puxando-o pela coleira para dentro da habitação, evitando que ele lhe fugisse de novo. Dirigiu-se ao quarto o mais rapidamente possível, a fim de evitar encontrar-se com os pais, ou pior, com a sua Dazinha, que iria perceber a sua aflição. Sentou-se na cama e esticou-se para fechar a grande cortina, selando assim qualquer imagem do jardim que a pudesse enervar. Pegou no telefone e marcou o número de telemóvel de João. Precisava de o ouvir.
- Estou? – respondeu-lhe uma voz ansiosa ao fim do primeiro toque.
- Olá… - o som familiar do outro lado da linha soltou-lhe a emoção do episódio enervante de minutos antes, e as lágrimas correram-lhe sem lhe obedecer.
- Olá. – disse, confuso com o silêncio que Marta mantinha. – Marta? Estou?
- Sim, desculpa, deixei de te ouvir. – mentiu, respirando fundo e disfarçando a voz embargada do choro. Limpou a cara com a manga da camisola e recompôs-se. – Já estás em casa?
- Sim, já cheguei há algum tempo. E por aí? Tudo bem?
- Sim, claro. Estive agora a passear com o Filipe. Fomos apanhar ar. Hoje esteve imenso calor durante o dia, só agora ficou possível andar lá fora.
- E ele? Já está mais conformado com a nossa separação forçada? – brincou, esticando-se na cama, satisfeito.
- Acho que sim. Queres falar com ele? – perguntou a recuperar a disposição e esticando-se na cama, a sorrir.
- Claro, chama-o lá.
- Filipe, anda cá. Vem falar aqui com o teu amigo. – colocou o auscultador perto do focinho do cão, que fungou, cheirando o aparelho curioso.
- Olá Filipe! Quando voltas? – disse com a voz colocada.
- Não vais acreditar, ele deu uma pirueta! – comentou animada.
- Eu tenho esse efeito nos cães… - gozou.
- Estou a ver que sim, que és um autêntico encantador de cães.
- De cães e não só. Só tu é que pareces imune. – confessou, sentindo um aperto no estômago.
- E o César e a Elisabete? Tens falado com eles? – desconversou, a sentir-se corar.
- Não. Amanhã talvez jante com eles. – respondeu meio desiludido com a atitude dela.
- Conta-me como foi o teu dia. – pediu-lhe, tentando remediar a conversa, alongando o telefonema o mais que conseguisse.
- O normal, pessoas desesperadas, tristes, deprimidas, uma alegria. – ironizou.
- Não é fácil o que fazes, pois não? – perguntou carinhosamente. Se pudesse abraçá-lo-ia naquele momento.
- Não, mas há certamente coisas piores para ganhar a vida.
- Tais como?
- Fazer exames retais a vacas, ser pendura do carro do lixo, ser calceteiro… - brincou, pegando no livro do Kamasutra e ganhando coragem para a testar.
- És muito cómico, sabias? – sorriu de orelha a orelha, imaginando a cara dele a enumerar aquelas tarefas ingratas.
- Marta, gostava de te perguntar uma coisa.
- Sim, o que foi? – engoliu em seco, reagindo ao tom mais sério com que João lhe falava.
- Estava aqui a ler o teu livro enquanto esperava que me ligasses, - confessou sem se aperceber – e queria saber se alguma vez praticaste alguma destas posições.
- Como? – lançou surpreendida.
- Sim, queria saber se já fizeste isto. 
- Porquê? – perguntou receosa, temendo que aquilo fosse uma ratoeira para que ela se explicasse. Ele já devia andar desconfiado de que ela não fosse homossexual.
- Porque aqui só há instruções para um casal hétero, tenho tentado perceber como podes ter utilizado isto com outra mulher, e acho que não dá. – explicou, percorrendo as páginas devagar, analisando por alto uma e outra ilustração.
- Pois. – limitou-se a dizer, engolindo em seco.
- Pois o quê? – sorriu satisfeito com o silêncio dela.
- Nunca o fiz. – mentiu, omitindo qualquer informação adicional – Tu és muito curioso. – recriminou-o – E isso não são perguntas que se façam a uma senhora!
- Desculpe, minha senhora. – poisou o livro e recostou-se novamente.
- Está desculpado. 
- Posso fazer outra pergunta, minha senhora? – questionou-a a sentir-se com sorte.
- Se não for de cariz privado, sim.
- Gostava de um dia destes ir passear ao Gêres?
- Ao Gerês? – excitou-se com a ideia – Com quem, pode-se saber? – perguntou dissimulada.
- Com o Filipe e um motorista.
- Claro, adoraria ser transportada até lá, se fosse num carrão desportivo azul metálico, então… seria perfeito!
- Óptimo! – disse feliz com a ideia.
- Agora sou eu a fazer as perguntas. – avisou-o, mudando de posição na cama.
- Com certeza. Pergunte o que quiser.
- Como se chamava a tua mulher?
- Isabel.
- Desculpa? – tossiu com a coincidência de ter o mesmo nome da ex-mulher dele, engasgando-se.
- Isabel. Porquê?
- Nada. É um nome bonito. – disse honestamente.
- Pois é, mas atualmente gosto mais de outro. – confessou, sentindo as pernas dormentes.
- E há quanto tempo ela morreu? – questionou-o, mudando estrategicamente o rumo da conversa.
- Há quatro anos. De cancro. Foi terrível. Não tive mais ninguém (permanente) desde então. – enumerou, para evitar mais interrogatórios sobre o tema.
- Desculpa, não te queria aborrecer.
- Não me estás a aborrecer, só não quero gastar o tempo contigo a falar disso. Quando voltas?
- Não sei. Tenho uns assuntos chatos para resolver por aqui, mas vou tentar ir sexta. Não prometo. – explicou, sentindo-se infeliz com a ideia de não o ver durante tantos dias.
- Quando chegares tenho uma surpresa para ti. 
- Surpresa? Não me digas que mete mais canoas… - gemeu, temendo mais provações na água em embarcações minúsculas.
- Nada disso. Vais gostar! – exclamou misterioso.
- O que é? Diz-me! – suplicou, detestava suspense.
- Não. Quando voltares vês. -  e esperava que fosse o mais rápido possível.
Um bater na porta do quarto de Isabel interrompeu-os subitamente.
- Espera só um momento. Estão a chamar-me, não desligues. – poisou o telefone e dirigiu-se à porta aborrecida. – Sim?
- Menina, desculpe, mas a sua mãezinha precisa de fazer um telefonema e a linha está ocupada há muito tempo. É melhor desligar, antes que ela aqui venha. – informou-a Adelaide, preocupada com a possível intromissão na privacidade da sua menina.
- Ah, obrigada Dazinha. Vou já desligar. – voltou a correr para a cama, retomando a chamada. – João? Desculpa, mas vou ter de desligar. Esta linha é fixa e há mais gente na casa a querer telefonar… - explicou, sentindo-se uma adolescente a quem tinham chamado a atenção por estar há muito tempo em telefonemas com namorados.
- Temos de te arranjar um telemóvel! – disse autoritariamente.
- Temos?
- Tens. Não cabe na cabeça de ninguém no século XXI não teres telefone móvel. Ainda para mais, andas de carro sozinha, se te acontece alguma coisa, como fazes?
- Não sei. Não gosto desses aparelhómetros. – concluiu, a pensar que naquele momento adoraria ter um, só para poder estar toda a noite à conversa com ele.
- Ok, depois falamos melhor sobre isso. Amanhã ligas, ou queres que eu ligue? – perguntou a sentir-se deprimido com o fim do telefonema.
- Eu ligo, não tens o meu número…
- Marta, os telemóveis mostram o número que nos está a telefonar… - explicou com vontade de rir da ignorância informática dela. 
- Pronto, está bem. A partir de que horas posso ligar?
- Das sete.
- Vamos ver quem liga primeiro então. – desafiou-o, sorrindo.
- Adeus, até amanhã. Dá um beijinho meu ao Filipe e outro à dona.
- Ok… até amanhã… - derreteu-se na almofada, a imaginá-lo a beijá-la.
- Vá, desliga.
- Desliga tu.
- Não…
- Menina! A mãezinha vem aí! – avisou Adelaide, entrando no quarto e interrompendo a conversa.
- Tenho de ir. Beijos. – desligou o telefone, angustiada com aquela separação tão repentina. Seria doloroso esperar até o ouvir de novo.

João ficou a olhar demoradamente para o telefone. Aquilo tinha sido conversa de namorados, como dois miúdos, patéticos e desejosos de se ouvirem. Uma pequena esperança desafiou-o a continuar a pesquisa que Marta tinha interrompido ao telefonar. Pegou no portátil e abriu o Google. Se havia alguma coisa sobre uma Marta de Castelo Branco, ali encontraria, de certeza.

(direitos reservados, AFSR)
(imagem, internet)

Sem comentários:

Enviar um comentário