segunda-feira, 6 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 5 (1ª parte)




Um ronco forte arrancou Margarida do seu sono reparador. Sobressaltou-se quando, ao abrir os olhos, deu consigo enroscada no baixo-ventre de um homem que dormia profundamente, meio sentado e descalço, por cima das cobertas. Tinha uma forte dor nos músculos do pescoço devido à posição estranha em que tinha estado a dormir, mas curiosamente sentia-se mais leve que nunca.
Nuno tinha colocado uma almofada atrás da cabeça e deixara-se ficar a olhá-la e a murmurar-lhe palavras de consolo. Margarida falara toda a noite coisas sem nexo: cigarrilhas, adolescentes loiras, gigantes musculados - que fetiches estranhos tinha aquela mulher, pensava ele - e um tal homem que segurava um livro. Este intrigara-o durante algum tempo, até que Margarida se voltou na cama revelando um pouco mais do que devia e Nuno, atrapalhado, tratou de a tapar rapidamente, não sem antes espreitar uma vez mais e recostar-se satisfeito com a sua indiscrição secreta até acabar por adormecer.

Estava esfomeada e foi em silêncio à cozinha preparar o pequeno-almoço, deixando Nuno a dormir na sua cama, naquela posição estranha que, sem ela ali enroscada, lhe dava um ar cómico.
Colocou o café a fazer e pôs a mesa para dois, apressando-se a ir tomar banho antes que ele acordasse. Seria ainda mais trágico que, depois da cena do dia anterior em que tinha colapsado de medo, ele a visse, e se tudo corresse bem, a cheirasse novamente, acabadinha de acordar.
Lavou-se rapidamente, vestiu-se com a roupa que levara consigo para a casa de banho, manteve a toalha na cabeça, ao estilo das atrizes de cinema e foi espreitar o café que já devia estar pronto.
Na cozinha, Nuno lutava com as torradas quentes e aquela cena familiar de ver um homem adulto a praguejar de manteiga na mão trouxe-lhe uma súbita melancolia ao se recordar de seu pai. Desde os 16 anos que não partilhava o seu espaço com homens. Não era nenhuma freira, mas mantivera os seus relacionamentos distantes da soleira da porta. Paranóica com os perseguidores “tarados”, Margarida não permitia que a sua morada fosse revelada e por diversas vezes temeu estar a enlouquecer quando se apercebia de que andava às voltas a pé nos quarteirões vizinhos a despistar os namorados.

Mas Nuno ali não a incomodava, talvez porque fosse polícia, tivesse 1,90m de altura, fosse musculado e giro? Aquele homem estava a transformá-la numa fútil palerma... Pelos menos dormia melhor, pensou. Já era um começo.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

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