sexta-feira, 24 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 7 (3ª parte)


Estava a ser arrastada pelos braços em direção ao desconhecido, continuava tudo escuro. Margarida tropeçava nos próprios pés, o homem caminhava quase a passo de corrida e não lhe dava tempo para ela o acompanhar.
Repentinamente foi sacudida para baixo e sentiu uma cadeira. Todo o seu corpo tremia violentamente, naquela expectativa aterrorizante do que se seguiria. O homem arrancou o pano da sua cabeça, devolvendo-lhe a visão. A noite ameaçava aparecer, Margarida não sabia quanto tempo se tinha passado. Teria Nuno percebido que ela tinha desaparecido? Esforçava-se por respirar ritmadamente, obrigando o corpo a aceitar o oxigénio, poderia até morrer ali, mas não sufocada. Suplicava a Deus que não a deixasse naquela hora. Olhava aterrorizada à sua volta, e reconheceu imediatamente aquele lugar… Mas porque estava ela naquele sítio?
Ouviu passos atrás dela, e os tremores do seu corpo recomeçaram mais violentos.
- Com que então, a Menina descobriu que eu fui paciente da Puta egoísta, hein? - ela susteve a respiração involuntariamente, as lágrimas correram novamente e chegaram ao pescoço. Porque seria que aquele homem falava da mesma forma que Nuno? - Davas uma polícia e tanto - escarneceu calmamente o raptor.
Colocou-se diante dela de pé, o seu tamanho era impressionante visto da sua perspectiva. Mais um gigante, pensou em pânico. Olhavam-se nos olhos e algo de familiar a Margarida surgia naquela cara de louco que estava visivelmente alterado, parecia possuído.
Arrancou da boca de Margarida o pano que a silenciava.
- Que mais é que tu já percebeste? Responde cabra! - gritou-lhe, fazendo-a estremecer com violência.
A garganta de Margarida colava cada vez mais com o pânico e ela não conseguia falar, exasperando o polícia.
- És das que gostam de dificultar as coisas... estou a ver. - deu um estalo fortíssimo nela, e foi como se uma tábua lhe tivesse acertado em cheio na cara - Antigamente tínhamos uns métodos eficazes para vacas mentirosas como tu! Mas bater em mulheres é feio, dizem agora os modernos... - olhou-a com nojo e deu-lhe um soco no estômago que a fez vomitar instantaneamente. Margarida tossia sangue e contorcia-se de dor, ficando com a visão enevoada por algum tempo. Morreria facilmente, se aquele gigante lhe batesse mais, pensou ela aterrorizada.
- Eu avisei-a de que não me podia tratar como esterco, eu tinha direitos! - gritou ele sem nexo. - Mas NÃO... fui enganado, brincaram comigo enquanto puderam... - o homem caminhava frenético, como se procurasse alguma coisa naquela sala meio destruída. - Aquela Puta egoísta obrigou-me a vê-lo durante anos! – confessou ele com raiva e começou a rir descontrolado, erguendo uma garrafa e bebendo uma grande quantidade do que parecia ser vodka.
Margarida não compreendia nada do que ouvia, apenas rezava interiormente chorando em silêncio. As dores no abdómen eram cada vez mais fortes e temeu estar a morrer.
- Agora querem lixar-me novamente! - ficou sério e dirigiu-se a Margarida que fechou os olhos e contraiu todos os músculos do corpo à espera de uma próxima pancada. A sua cara foi atingida por um murro que lhe abriu o sobrolho e fez correr um rio de sangue.
- Não o posso matar, não consigo... - lamentou ele no seu discurso desvairado - mas tu vais calar a matraca e parar de lhe pôr ideias na cabeça. É por isso que vais morrer.

 Ele afastou-se e saiu por momentos do espaço fantasmagórico deixando-a sozinha, algo o levara a fazer uma pausa naquele momento de terror.

Noutros tempos Margarida tinha vivido momentos felizes naquele local. «Ouro sobre azul», dizia-lhe Dinis, passeando de mão dada com ela naquela sala gigante forrada a azulejos de cor azul real que protegiam uma cuba enorme de cobre amarelado e brilhante. O Engenheiro adorava passear com a filha curiosa pela fábrica, explicando-lhe a magia que acontecia lá dentro na transformação de cereais em garrafas com bebida. Para uma criança era um mistério como o ser humano inventara tudo aquilo, e o pai um druida poderoso.

O antigo cheiro da maturação da cerveja era substituído agora pelo acre do seu sangue e odores fortes a abandono e degradação característicos de locais fantasma. Margarida tentou reter a imagem da sua infância na mente, agarrando-se a ela como a uma bóia de salvação. Dinis acenava-lhe, sorridente, e ela olhava-o a trabalhar, feliz.

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(imagem, internet)

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