terça-feira, 7 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 5 (2ª parte)



- Bom dia! - Margarida tirou a chaleira do café da máquina e colocou-a na mesa, sentando-se na cadeira de frente para o cozinheiro com pouco jeito para torradas.
- Bom dia - respondeu Nuno sem se virar, mantendo-se concentrado na difícil tarefa de barrar manteiga dura em pão frágil e quebradiço. Depois de esfrangalhar várias fatias de torrada e inspirar longamente sob o olhar atento de Margarida, virou-se e colocou na mesa os restos mortais do pão desfeito. Margarida estava silenciosa, à espera do ralhete que se seguiria, à semelhança das cenas paternais que não lhe saíam da cabeça.
- Com que então a Menina anda a ser seguida por um doido, quase morre com um ataque de pânico e está assim tão fresca e airosa, hein? É tudo devido à minha presença, ou a sua capacidade de fingimento é maior do que o normal? - soltou ele na terceira pessoa, o que a fez reviver de forma angustiante os modos de Dinis quando estava aborrecido com ela.
- Devo-te uma explicação, eu sei, mas até ontem à noite juro-te que pensava que o homem era apenas mais uma das minhas obsessões malucas... - confessou humildemente. - Vi-o pela primeira vez enquanto almoçávamos, estava sentado na paragem de autocarro do outro lado da rua a observar-nos. Depois, no Parque, à noite, ele apareceu novamente num banco e beijei-te para ele perceber que eu não era uma mulher indefesa e solitária. Eu pensaria duas vezes em me meter com alguém que namorava um armário. - e as confissões pouco pensadas de Margarida saíam-lhe da boca com rapidez, o que a levou a corar. - Não era bem isto que queria dizer, bem, tu percebeste? - e ficou apreensiva ao ver uma névoa de desilusão no olhar dele. Tinha sido cruel afirmar que o tinha usado, e a verdade nem era bem essa, mas o orgulho de Margarida vencia sempre, negando-lhe a franqueza dos seus sentimentos junto de outros.
- Ainda bem que sirvo para alguma coisa - bufou ele - ou não sirvo, vistas bem as coisas, quase foste atacada ontem. - desdenhou.
- Nuno, desculpa, foste um bom amigo. Se não fosses tu, tinha ficado inconsciente no hall de entrada até de manhã. - Margarida sentiu-se arrependida e lamentou ser tão desequilibrada emocionalmente. Ele ficara magoado, e com razão.

- Bem, bebe o teu café e vai lá secar o cabelo que há muito trabalho a ser feito. - aquilo era uma ordem, e Margarida sentiu que quebrara alguma coisa dentro dele. Os remorsos subiram-lhe até à garganta e perdeu a fome, levantou-se e deixou-o só com os seus pensamentos.

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(imagem, internet)

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