sexta-feira, 31 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 9 (1ª parte)



A bala entrou e saiu pelo antebraço de Álvaro, que não esperava um desfecho tão decepcionante naquela noite. Tinha planeado tudo de forma tão perfeita, a sorte parecia sorrir-lhe quando viu Isabel vinda das compras e a precisar de um vizinho que a ajudasse. O seu charme funcionara às mil maravilhas, a mãe de Margarida era um alvo demasiado fácil. Doce, crente e agradecida, ofereceu-lhe um chá e salvou a sua vida com aquele gesto cristão. Teria sido difícil para Álvaro arrancar-lhe o telemóvel à força. Para além do facto de ser mãe da intrometida, Isabel não tinha necessidade de sair magoada, recordava ele.
De pé em frente ao espelho do quarto de banho do pequeno apartamento que alugara semanas antes, tratava das feridas que começavam a sarar com facilidade. Era ainda um homem robusto, mesmo para a sua idade, e as horríveis cicatrizes da explosão da casa dos seus pais, contrastavam com a sua figura surpreendentemente atraente. Já se tinham passado vinte e cinco anos, mas nunca esqueceria o momento em que Deus o abandonara, permitindo que a única família que tinha explodisse ironicamente à sua frente. Dedicava os seus dias a salvar pessoas, a tornar o pequeno mundo à sua volta num local melhor, e era assim que era recompensado, rosnava ele.
            Manuela tinha sido a pequena esperança que por algum tempo lhe devolvera alguma paz, deitado imóvel numa cama de hospital, cheio de dores, o seu consolo era saber que ela cuidava dele.
Amara-a desde o primeiro momento em que a vira entrar no escritório de Afonso, sorridente e bela. Álvaro tinha sido transferido para Coimbra dias antes e nunca mais foi o mesmo, depois de Manuela. A amizade por Afonso fora, durante alguns anos, o único impedimento na sua consciência reta para demonstrar o que sentia por ela. Mas o amigo não comungava dos mesmos valores que ele, e no dia em que encontrou Manuela desfeita com mais uma das traições do marido, Álvaro seduziu-a, permitindo-se um pecado mortal, do qual nunca iria recuperar totalmente.
Naquela noite de sofrimento em que Álvaro pensou que chegara o seu fim, Manuela contara-lhe o segredo que a atormentava, devolvendo-lhe a força anímica suficiente para lutar pela vida, salvando-o.
Depois disso, Álvaro morreu, e um outro homem ressuscitou. Esse, queria o que era seu por direito.

Vestiu-se e sentou-se em frente ao PC, Deus ainda lhe devia uma, e dessa, não abriria mão.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

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