As vozes de Isabel e de Nuno ficavam cada
vez mais próximas, conseguia distinguir os lamentos da mãe e sentia uma mão na
sua. Estava deitada, não tinha dores, bastante mais confortável do que momentos
antes, ou horas, não sabia bem quanto tempo se tinha passado desde que estivera
sentada para morrer, na sala dos azulejos. Um alívio percorreu-lhe a espinha,
estava viva, e a mãe também.
Abriu os olhos, reconhecendo um quarto de
hospital e viu-os sobressaltarem-se de alegria, sufocando-a com beijos e
abraços.
- Então a Menina queria matar-nos de
susto, hein? – Nuno gracejou aliviado por vê-la a recuperar do choque, estivera
quase 12 horas sem acordar, e Margarida estremeceu com aquela expressão,
arregalando os olhos instintivamente, mas disfarçando logo de seguida. Não
queria pensar nisso agora.
- Querida, tive tanto medo de te perder… -
choramingou Isabel, limpando as lágrimas num lenço que Nuno lhe estendeu
carinhosamente.
- Está tudo bem, - tranquilizou-a
Margarida – já passou. – e olhou para Nuno interrogando-o silenciosamente,
ansiosa por saber o que tinha acontecido a Álvaro. Nuno manteve-se calado,
desconfortável, e desconversou.
- Sim, agora está tudo bem, mas tens de
descansar. – deixando-a sem resposta e mudando de assunto deliberadamente.
Margarida percebeu que teria de esperar
para ter respostas, e ele beijou-a suavemente nas mãos, num gesto que mais
parecia uma súplica de perdão.
- Podemos? – uma cabeça espreitou na
porta, e sem esperar pela resposta, uma família inteira entrou no quarto de
hospital. Jorge, Ana, os gémeos de catorze anos e Sofia, que trazia flores,
meio indecisa se sorria, ao ver o tio debruçado na cama de uma mulher.
- Margarida, íamos todos morrendo de susto
ontem, querida! – a voz de falsete de Ana estava carregada de genuína
preocupação, e Margarida sentiu-se feliz com aquela plateia carinhosa que a
admirava. Sempre desejara uma família grande, e parecia que Deus lhe pedia
desculpa pelos momentos angustiantes e dolorosos do dia anterior,
presenteando-a com sete visitas calorosas.
- Não era preciso virem até aqui, eu estou
bem. – disse Margarida encavacada com aquelas demonstrações de amizade – E
tenho que vos pedir desculpa – dirigiu-se aos gémeos – por vos ter estragado o
jantar de aniversário. Prometo que vos compenso!
- Não faz mal, - disse Miguel, um
adolescente de olhar meigo – até foi fixe, a minha mãe esqueceu-se do bolo no
forno com aquela confusão toda, ia pegando fogo à cozinha e tivemos de ir
jantar fora depois do pai chegar. – confessou inocentemente.
- O bolo era o meu preferido – lamentou-se
Francisco sem remorsos – mas para castigo o pai teve de nos comprar um jogo
para a PS! – e Ana deu-lhe um cascudo para o silenciar.
- Desculpa Margarida, estes miúdos são
todos uns parvos hoje em dia!
- Eiii!!! – entoaram os gémeos em uníssono
em desagrado pela ofensa.
- Nuno, precisava de falar contigo lá
fora, pode ser? – Jorge sorriu para Margarida, pedindo-lhe licença para que
Nuno a deixasse por alguns minutos.
- Sim, vamos. – Nuno sorria pouco
convencido, tentando não transparecer a preocupação, bastante ansioso com o que
Jorge teria para lhe dizer.
Margarida ficou alerta com a conversa dos
dois inspetores, mas era requisitada pela plateia mais jovem que tentava saber
pormenores do que se tinha passado. Ana e Isabel conversavam sobre filhos e
preocupações maternais e Margarida descontraiu naquele ambiente estranhamente
festivo e familiar.
Passados alguns minutos, Jorge e Nuno
entraram, sem denunciar o teor da conversa, e comportando-se como se nada se
tivesse passado, eram mestres em camuflagem de emoções, pensava Margarida.
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(imagem, internet)
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