Nuno reconheceu imediatamente o carro de Álvaro. A noite escurecia o ambiente, e decidiu não denunciar a sua chegada deixando o jipe parado do lado de fora do muro que envolvia a antiga fábrica de cerveja. Saltou a vedação evitando o portão de entrada, e dirigiu-se cautelosamente ao edifício em ruínas, em busca de um sinal que denunciasse a presença de Margarida. Normalmente iria com os sentidos em alerta para perseguir o criminoso, hoje o importante era encontrá-la, e viva.
Jorge
e Jaime chegaram ao local quase em simultâneo e trocaram algumas orientações
rápidas antes de entrarem na fábrica. O jipe de Nuno já lá estava, e Álvaro, pelos vistos também tinha vindo ajudar.
Estranharam a presença do chefe por ali, talvez Nuno lhe tivesse pedido ajuda,
raciocinaram os dois. O silêncio da noite que descia iria ser precioso na busca
dentro do edifício abandonado. Dividiram-se e cada um avançou por dois pontos
diferentes, de forma a alargar as hipóteses de encontrar Margarida, ou talvez
só o seu iphone, lamentavam os inspetores, que já tinham visto de tudo na sua
experiência profissional.
Nuno não raciocinava como Jorge e
Jaime, a sua dependência emocional por Margarida atrapalhava-lhe a lucidez, e o
ódio que crescia por Álvaro era aumentado pela desilusão de aquele homem o
estar a magoar tanto. Tinha perdido os pais em criança e agora o seu grande
amigo morria também repentinamente, tentando arrastar Margarida com ele. A sua
confusão mental começava a trair-lhe os sentidos, nunca se sentira tão perdido
como naqueles corredores destruídos…
Álvaro fitou Margarida enraivecido ao
voltar à sala azul, ouvira barulho no exterior do prédio e precisava resolver
rapidamente aquele problema. Esperava que não fosse ele, não estava nos seus planos matá-lo. Sacou da arma e encostou-a
a Margarida que, vendo o seu final aproximar-se, “ressuscitou” do choque da
última agressão,
- Antes de me matar diga-me, por favor, a
minha mãe está viva? – disse, ganhando coragem. Não podia morrer sem saber o
que o doido lhe tinha feito. As suas certezas sobre a vida pós morte eram
nenhumas, não tinha gasto muito tempo a pensar sobre isso, só sabia que não
podia morrer sem aquela resposta.
- Ela está viva, uma simpatia, deixe que
lhe diga, bebemos um chá e conversámos muito tempo sobre si, a sua família e…
até foi ela que me deu a ideia de a trazer para aqui! Pelos vistos gostava
bastante deste local, não é verdade? – o gigante brincava agora com o medo de
Margarida e a revelação do que lhe inspirara o local onde iria cometer o crime
deixou-a angustiada.
Ouviu vozes. Ainda estava viva,
pensou com o coração a sair-lhe da garganta, e avançou em silêncio em direção
ao som.
Margarida estava sentada, de cabeça
caída, numa atitude de resignação, e Álvaro de pé encostava uma arma à sua
testa. Nuno paralisou em choque, perturbado com aquela visão, sem reagir,
recordando todos os mortos que o assombravam desde criança. Queria matar
Álvaro, mas a mão não colaborava, ficando petrificada.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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